Narrativas da Gália, por Caio Júlio César

O primeiro livro de A Guerra das Gálias, de Caio Júlio César, relata os princípios que levaram os romanos e os helvécios a entrarem em guerra. A narrativa, repleta de descrições geográficas e passagens de ficção meta-historiográfica (falas e pensamentos de personagens históricos), apresenta um sedutor tom romanesco, que confere à obra um grande deleite em sua leitura. Abaixo, segue uma síntese dos principais eventos que conduziram à  guerra entre esses povos, tal como apresentados pelo historiador nos primeiros XX excertos do livro I.

Os helvécios, liderados por Orgétorix, decidem marchar para além das fronteiras de seu território. Orgétorix forma aliança com os sequanos e os éduos, no intento de restabelecer a monarquia e dominar toda a Gália. Quando descoberto o plano, o nobre é preso e morre pouco depois – provavelmente por suicídio. Mesmo assim, os helvécios mantêm o plano de sair de suas terras, e queimam as casas, campos e vilarejos, para que não se sintam tentados a voltar e lutem com a maior bravura, convocando povos vizinhos a proceder da mesma forma.

Mapa da Gália

Para obter sucesso no empreendimento, os helvécios decidem passar pela ponte de Genebra, que atravessa o rio Ródano. Contudo, César, o imperador, envia imediatamente tropas romanas para interceptá-los. Os passantes enviam, por isso, embaixadores para advogar em sua causa, mas este, lembrando-se de que haviam morto o cônsul Lúcio Cássio, prefere não conceder a passagem pela Província.

Não bastando se opor à sua travessia, o imperador romano ordena ainda a construção de uma enorme muralha a que juntou um fosso, para impedir de vez a sua passagem. Desiludidos, os helvécios tentam atravessar o Ródano por outros pontos, mas se deparam com obstáculos criados pelos romanos e desistem da empreitada.

Desse modo, a única maneira de atravessar seria pelo reino dos sequanos, e para isso pedem o auxílio de Dúmnorix, que tem por nora a filha de Orgétorix, e que consegue a concessão para a sua passagem segura, com comprometimento de ambas as partes.

Não obstante, relatam a César que, após a passagem pelo reino dos sequanos e dos éduos, os helvécios se estabeleceriam numa região vizinha à dos tolosates, região rica em trigo e que pertencia à Província. O imperador julgou que seria imprudente ter um povo tão belicoso e inimigo dos romanos tão próximo, e fez as legiões romanas intervirem, atalhando o caminho pelos Alpes.

Após a passagem pelos sequanos, os helvécios seguem pelo reino dos éduos, queimando e devastando seus campos. Estes, indefesos, escrevem pedindo auxílio a César, assim como os alóbroges, que tinham terras do outro lado do Ródano e que também sofreram a violência dos helvécios. César, então, parte ao alcance dos inimigos, e num combate surpresa consegue vencer um grande número dos que ainda não haviam atravessado o rio Saône, mais lento que o Ródano.

Para alcançar os outros, que já haviam passado pelo rio, ele comanda a construção de uma ponte sobre o Saône, pela qual faz passar todo o seu exército. Os helvécios, intimidados, enviam Divicon, que fora seu general, para atuar como embaixador com o inimigo. Ele diz a César que “se o povo romano fizesse a paz com os Helvécios, os Helvécios partiriam e se estabeleceriam nos lugares onde César entendesse fixá-los; mas que se persistisse em lhes fazer guerra, se lembrasse do passado dissabor experimentado pelo povo romano e do antigo valor dos Helvécios.” (Livro I, XIII)

César, por sua vez, ainda se mostra ultrajado pelas violências antigas, em que Lúcio Cássio foi morto, e pelas recentes, como a tentativa forçada de passar contra a sua vontade o rio Ródano e a brutalidade cometida contra os éduos, ambarros e alóbroges, mas concederia a paz sob a condição de ter reféns como garantias de suas promessas e de satisfação aos povos ultrajados. Contudo, Divicon responde que os helvécios não oferecem reféns, e se retira. No dia seguinte armam o acampamento de guerra.

A cavalaria de César, composta de cerca de quatro mil homens, leva uma grande desvantagem no combate contra os cerca de quinhentos helvécios que lhe fizeram oposição, fazendo que estes se tornassem mais audazes e que a distância entre os inimigos se mantivesse sempre pouca. Enquanto isso, César insistia que os éduos enviassem trigo aos campos de combate, posto que não havia abundância de provisões nem meios de obtê-las, quando descobre uma conspiração para desviar o trigo enviado e fornecer informações aos inimigos helvécios.

Lisco, aliado de César, revela que Dúmnorix está por trás da traição, procurando a perturbação política para colocar ele próprio as mãos sobre o poder, tendo, para isso, tomado por esposa uma mulher do povo helvécio. Se os romanos fracassassem, Dúmnorix poderia tentar ele próprio tornar-se rei. Além dos rumores, juntaram-se as informações do auxílio conferido por este na passagem dos helvécios pelo reino dos sequanos, garantindo a troca de reféns e a segurança da travessia, que não só fora feita sem o comando do imperador como também sem que tomasse qualquer conhecimento.

César, então, convoca Diviciaco, irmão de Dúmnorix, por quem mantinha grande amizade e apreço, e expõe os fatos. Este, às lágrimas, pede que César seja clemente, e não infrinja grande suplício ao irmão, embora estivesse convencido de que este era de fato culpado das acusações.

O livro, de tom bastante convidativo, entretém o leitor comum como o leitor analista. Possui uma grande riqueza em detalhes, narrativa envolvente e ajuda a construir de maneira divertida e leve uma perspectiva da história romana, a partir de um de seus mais próximos e melhores narradores.

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