O poeta por trás das armas: as palavras de Patrick Pearse

Texto por Marina Naves

A voz de Patrick Pearse

Patrick Pearse (ou Pádraig Mac Piaraisc, em gaélico irlandês) é tido hoje como um dos principais nomes do nacionalismo irlandês. Tendo lutado e morrido pela independência da Irlanda — até então colônia britânica — sua imagem se tornou tal como a de um mártir; afinal, Pearse não apenas participou da chamada “Revolta da Páscoa” (insurgência rebelde e separatista que tomou as ruas de Dublin em abril de 1916), mas também a liderou ao lado de Éamon de Valera e Michael Collins.

Pouco se fala sobre o poeta que existia ao lado do uniforme verde e das armas de fogo

Decerto, tal fato faz perder parte do entendimento e compreensão da questão humana por trás do conflito político e histórico. Portanto, proponho-me a demonstrar, em uma breve análise de alguns trechos do poema The Rebel, o que é importante para compreender os sentimentos de insatisfação e revolta que tanto alimentaram os insurgentes irlandeses.

O que nos conta The rebel, de Pearse?

Do valor do passado

Começando pelo desejo de independência propriamente dito, os versos iniciais do poema já apontam para o contraste entre a pobreza e sofrimento de um povo negligenciado com o imaginário de uma Irlanda gloriosa, “pré-normanda” (e, consequentemente, “pré-anglicizada”) da época dos ard-ríor (altos- reis) — que, como diz Orpen, em Ireland under the Normans, embora fossem grandes figuras do folclore e da literatura irlandesa, “não detinham poder político real”:

“I am come of the seed of the people, the people that sorrow,
That have no treasure but hope,
No riches laid up but a memory
Of an Ancient glory”

que pode ser traduzido como:

“Eu vim do seio das pessoas, pessoas que sofrem,
que ouro algum tem, senão fé,
riqueza alguma, mas memória
de uma Anciã glória”

Vale lembrar que a Irlanda, poucas décadas antes do poema ser escrito, havia passado por um período que viera a ser conhecido como An Gorta Mór, “Grande Fome”, em que mais de um milhão de pessoas morreram por inanição ou pestilência, e cerca de dois milhões abandonaram a ilha rumo, principalmente, aos Estados Unidos da América. Tal evento não apenas foi devastador em índices demográficos, mas causou uma grave diminuição entre os falantes de gaélico irlandês, enfraquecendo a língua e abrindo espaço para uma maior dominação cultural por parte dos ingleses.  

Famine memorial, em Dublin.

Das dores de um povo

Prosseguindo com a análise, outro aspecto importante do poema está em como o sujeito lírico se coloca como portador das dores e dos desejos das pessoas por quem fala; seu papel é, portanto, tal como o de um porta-voz que irá falar e lutar em favor do seu povo, assumindo um papel de mártir cuja imagem é, talvez, tal como a de Cristo:

(…) I that have a soul greater than the souls of my people’s masters,
I that have vision and prophecy and the gift of fiery speech,
I that have spoken with God on the top of His holy hill (…)

em tradução própria:

(…) Eu que maior alma tenho que os mestres da minha gente,
Eu que tenho visão, profecia e o dom do bravo grito,
Eu que com Deus falei, no alto de Sua santa colina (…)

11th Station of the Cross, por Robert Ferri.

A associação com imagens do ideário cristão não é aleatória; os irlandeses possuem uma forte tradição católica, e Pearse não era diferente. Durante a Revolta de 1916, sabia-se que o poderio militar britânico era superior, e que a morte era certeira, mas acreditava-se que o sangue dos rebeldes seria como o sangue de Cristo: morre e ressurge — salvando os homens do pecado e a Irlanda dos grilhões. Assim, pode-se dizer que o sacrifício dos insurgentes fora, ao menos em suas mentes convictas, tal qual o sacrifício de Jesus ao ser crucificado.

Da insurreição

Por fim, o autor conduz os versos, ainda, ao sentimento de insurreição e revolta que se fortalece a cada pulso, endossando ainda mais o desejo de revolução e mudança, bradando aos mestres do seu povo — os burgueses, os britânicos — um aviso do que poderia estar por vir na realidade além-lírica.

And I say to my people’s masters: Beware,
Beware of the thing that is coming, beware of the risen people,
Who shall take what ye would not give.
Did ye think to conquer the people,
Or that Law is stronger than life and than men’s desire to be free?
We will try it out with you, ye that have harried and held,
Ye that have bullied and bribed, tyrants, hypocrites, liars!

E eu digo aos mestres do meu povo: cuidado,
cuidado com o que logo vem, com o povo que já se ergue,
que tomarão o que não lhes foi dado.
Achais ter conquistado esta gente,
ou que a Lei mais forte é que a vida — que um corpo libertado?
Provaremos convosco — que abusaram e oprimiram,
coagiram e subornaram — tiranos, hipócritas!

Apêndice

Interessado em saber mais sobre a poesia e vida de Patrick Pearse? A ARTÉ lançou, em 2001, um documentário sobre a vida do autor! Ele está disponível integralmente no Youtube, e você pode conferi-lo abaixo.

* Infelizmente o documentário é em inglês e ainda não foi legendado.

Passeio pela literatura latina

A literatura latina, grosso modo, tem suas raízes na literatura clássica grega, e é ainda estrutura fundadora para autores de todo o Ocidente. Algumas das primeiras obras de que se tem registro são parte das origens teatrais da cultura latina, dos quais se destacam o fescenino, a sátura, a atellana e o mimo , que apresentam graus distintos de complexidade e inovação. A atellana, em especial, divide-se em vários tipos: há a atellana rústica, a mitológica, a de costumes e intrigas e a de caracteres, nas quais há grande presença dos tipos de Teofrasto (como o velho, o escravo, o parasita, o alcoviteiro, etc.).

Há também no sistema teatral da antiguidade latina a Palliata, que é a comédia de assuntos gregos, de convenções bastante previsíveis e enrijecidas, como a quebra da ilusão dramática, a farsa, o diálogo com o público, a personagem protática e o enredo repetitivo, em especial o da história da amor proibido com cena de reconhecimento. Desse período, destacam-se dois grandes dramaturgos, Plauto e Terêncio, cujas obras ainda hoje influenciam tramas dos dramas contemporâneos, como o famoso caso da Aululária, de Plauto, que deu origem tanto à peça O Avarento, de Molière, quanto a O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna.

Outros que contribuíram para a constituição da literatura latina como a concebemos foram os poetas agrários, em especial Catão e Varrão, embora as Geórgicas de Virgílio também façam parte do mesmo enquadramento. Suas obras, De agricultura e De Re Rústica, entre outras, decorrem sobre as questões da terra, da colheita, da plantação e da vida rural, sendo parte essencial do imaginário que permeia a antiguidade romana.

Além das Bucólicas e das Geórgicas, é também autor da Eneida, uma das maiores obras da história da literatura latina, que narra as desventuras de um dos grandes heróis da guerra de Troia, Eneias.

Além destes, um poeta de imensa importância foi Cícero, autor de numerosas obras de caráter filosófico e reflexivo, em que decorre a respeito de temas como Da velhice, Da amizade, Da natureza dos deuses, etc. Seus escritos, de maneira geral, intentam a composição de um argumento retórico de nível elevado em que as questões propostas são enunciadas e exploradas amplamente.

Depois dele, também é imprescindível lembrar Lucrécio, seguidos dos epicuristas e autor de De rerum natura, poema que descreve “a natureza das coisas” ou, como sugere Miguel Spinelli, “as coisas naturais”, passando pela invocação a Vênus e à composição material da natureza, que já se imaginava composta de átomos. Nessa obra, o autor argumenta a favor do que mais tarde viria a ser conhecido como Lei de Lavoisier, aquela em que se enuncia que nada vem do nada: pelo contrário, a disposição de tudo o que conhecemos é determinada pelo arranjo, desarranjo ou rearranjo dos átomos.

Houve também grandes historiadores, como Salústio, Suetônio, Plutarco e Tito Lívio, que forneceram obras essenciais para a compreensão da Roma Antiga. Caio Júlio César, entre eles, foi um dos mais influentes, tendo escrito a Guerra Civil, A Guerra das Gálias e ainda outros eventos históricos, elaborando uma ampla narrativa (bastante contundente, ainda que parcial) sobre a formação do império romano.

Caio Júlio César

Por fim, ainda que muitos outros tenham havido, chamo a figura de Catulo, Cancioneiro de Lésbia, poeta de considerável expressão que escreveu o pathos amoroso, os costumes da época, poemas de homenagem aos mortos, poemas de ciúme e de perda, sendo portentoso tanto no impacto do conteúdo quanto no movimento erótico da sua linguagem.

Catulo

Todos esses grandes autores formaram, no conjunto, um repertório cultural que fundou não só o conhecimento que se faz da literatura latina do período clássico, como também as bases de toda a literatura ocidental que adveio dessa sociedade, sendo um berço ao qual poetas, estudiosos e curiosos retornam sempre em vistas de conhecer e compreender sua origem e os pilares da sua formação cultural.

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