“The pasture” de Robert Frost

Tradução e análise do poema "The pasture", de Robert Frost.

THE PASTURE
(O pasto)

I’m going out to clean the pasture spring;
I’ll only stop to rake the leaves away
(And wait to watch the water clear, I may):
I sha’n’t be gone long.—You come too.

I’m going out to fetch the little calf
That’s standing by the mother. It’s so young,
It totters when she licks it with her tongue.
I sha’n’t be gone long.—You come too.

Eu vou sair: limpar o novo pasto;
é só varrer, nenhuma folha fica
(e posso ver a água clara e rica):
não vou demorar. — Vem também.

Eu vou sair: pegar o bezerrinho
que fica junto à mãe. Recém-nascido,
tropeça quando seu corpo é lambido.
Não vou demorar. — Vem também.

Tradução: Gabriel Reis Martins


Análise

Publicado pela primeira vez por Robert Frost (1874-1963) no livro North of Boston (1914), “The pasture” é um poema composto por apenas oito versos, que apresentam imagens precisas, sintetizando e demonstrando de maneira clara alguns aspectos temáticos e estilístico utilizados com frequência pelo poeta americano ao longo de sua vasta obra.

Com métrica e estrutura muito bem determinadas e diegeticamente pastoril e sazonal, “The pasture” não propõe uma mistura tão intensa entre as formas literárias lírica, épica e dramática – diferente do que acontece, por exemplo, em “The death of the hired man” e na maior parte dos outros poemas de North of Boston. Além disso, ele é o menor dentre os textos que compõem essa coletânea, atravessada por poemas longos, que chegam a passar as cinco páginas de extensão.

Em síntese, trata-se de um texto pequeno, direto e preciso; de fato, uma entrada muito bem armada para o conjunto poético ao qual pertence. E, já que não acredito na possibilidade de estar à altura do original (abaixo e à esquerda), espero que essa humilde tradução que elaborei seja também uma boa vitrine, para que você corra atrás de outras cabeças que correm soltas pelo pasto de Robert Frost.

Sobre o som

Dividido em duas quadras, o poema foi feito a partir de uma estrutura fixa que se repete, o que sugere um espelhamento dos dois únicos blocos do poema. Essa estrutura é composta por um verso branco, por dois versos rimados e por um refrão (o verso final de cada quadra), que coincide em forma e em sentido em cada uma delas. Enquanto esse se trata de um octossílabo, os outros três primeiros versos de cada quadra foram compostos como decassílabos, montando um esquema simples 10-10-10-8, que acontece duas vezes.

Se por um lado essa estrutura rígida auxilia a tradução, delimitando um espaço adequado à recriação do texto em português; por outro, cria algumas dificuldades, uma vez que o inglês, diferente de nossa língua, apresenta uma maior maleabilidade das sílabas poéticas, com palavras que se aglutinam e preservam uma gama lexical variada, perdida na transição de uma língua à outra.

Outro ponto de difícil tradução são as paronomásias (principalmente, rimas e aliterações) escolhidas por Frost. Observamos, a título de exemplo, uma repetição constante de fonemas e de vogais, como nas plosivas do primeiro verso (t e p); as alveolares do segundo (l e r); do som da vogal w, no terceiro; e da nasal (on), presente em sha’n’t, gone, long e come, do verso refrão. Quanto às rimas, ambas relacionam palavras de classe gramatical diferente e de difícil aproximação em português: a primeira, away (para longe, advérbio) e may (posso, verbo); e a segunda, young (jovem, predicativo) e tongue (língua, adjunto adverbial).

Um detalhe que se soma a esses, e que torna ainda mais interessante a forma desse poema, é o movimento de “versar”, de ir e voltar, presente em quebras de sentido (como na passagem do quinto para o sexto verso), mas também na antecipação dos fonemas principais, feita pela palavra final de cada frase, em relação ao verso seguinte.

Sobre o sentido

Para fazer uma análise mais atenta de cada verso, vou propor uma tradução literal de seu sentido, tentando com isso esclarecer ao mesmo tempo o poema em inglês e a proposta de tradução mostrada antes. Primeiro, vou analisar todos os versos decassílabos do poema, para só então trabalhar com o refrão. “O pasto” (a essa altura já podemos tratá-lo com nome traduzido), como vimos, começa com a seguinte sentença:

I’m going out to clean the pasture spring

Eu estou saindo para limpar o pasto primaveril

Nessa abertura, temos a exposição de uma tarefa a ser cumprida, tendo chegado uma nova estação, a primavera: limpar o pasto. Porém, sob o significado restrito desse trabalho, parece se esconder a ideia do renascimento, da atmosfera cíclica da natureza, expressa sobretudo na palavra spring (primavera/primaveril), uma das chaves de leitura para todo o conjunto de textos de North of Boston. Essa estação, subsequente ao inverno – que é tempo de reclusão, melancolia e descanso – pode ser lida como signo de nova vida, da chegada de outro tempo e de novos trabalhos.

Mas, se você voltar à tradução que propus (a não literal), vai perceber que suprimi essa palavra quase essencial de minha versão do poema. Justifico essa ausência lembrando que, em um país como o Brasil, cujas estações não possuem diferenças tão claras, a palavra primavera ou primaveril, além de tomar um número antipático de sílabas, não causaria o mesmo impacto que possui no texto original, demandando uma nota de rodapé ou algo similar a isso que a justificasse. Tomei a liberdade de usar o adjetivo novo, que não traz a mesma precisão da palavra primavera, mas que deixa o texto mais compatível com um cenário brasileiro.

I’ll only stop to rake the leaves away

Só vou parar para varrer as folhas

Aqui percebo uma guinada mais objetiva, passando para uma explicação precisa do que será feito pelo eu do poema, seu trabalho, agora nomeado. Limpar o pasto significa, principalmente, varrer suas folhas, gesto que é contraposto no verso seguinte, no qual se complementa e expande o sentido do ofício na fazenda a uma dimensão também de descanso e contemplação:

(And wait to watch the water clear, I may):

(E posso esperar para ver a água clara)

Trabalha-se, mas pode-se também desfrutar da beleza da natureza, e o próprio uso dos parênteses reforça esse outro lado dos ofícios campestres, esse bônus para o ônus de varrer as folhas. O mesmo se dá nos três primeiros versos que abrem a segunda quadra:

I’m going out to fetch the little calf
That’s standing by the mother. It’s so young,
It totters when she licks it with her tongue.

Eu estou saindo para pegar o pequeno bezerro
Que está parado perto da mãe. É tão jovem,
Cambaleia quando ela o lambe com a língua

O trabalho de sair para ater o garrote é cortado pela admiração da cena matrimonial animal, interrupção que hoje pode até mesmo ser encarada a partir de uma lógica crítica aos trabalhos do campo e ao carnismo. Anacronismos à parte, essa mudança da instância do trabalho para a do lazer/prazer também acontece de alguma maneira em nível formal, sendo o padrão de rimas um de seus índices, levando de pasture spring e little calf até away/may e young/tongue.

Agora, o último verso, repetido no fim de cada uma das quadras, nos traz/faz um apelo, para que acompanhemos o eu do poema em seu jogo entre trabalho e prazer, entre produzir e desfrutar no pasto. A repetição funciona como sugestão do espelhamento dos dois blocos que compõem o texto e, apesar de parecer um convite despretensioso, é também uma confirmação da companhia, uma vez que a frase não é feita em forma de pergunta, mas de afirmação:

I sha’n’t be gone long.—You come too.

Não ficarei fora por muito tempo. – Você vem também.

A possível agressividade do pedido de companhia se dissolve ao longo dos versos anteriores a ela. Parece não haver dúvidas de que se trata não apenas de um bom companheiro (esse que convida), mas também de que será uma visita agradável ao universo do eu do poema e, metapoeticamente, do autor. A isso, somo o tom coloquial que Frost empresta a seus versos, criando joias a partir das pedras e dos cactos, dos cacos da língua, truncado nossas tentativas de captar ao mesmo tempo o som e o sentido.

Seria possível traduzir com precisão todos os elementos e também a narrativa? Ou estaria Frost certo, ao colocar que a poesia é o que se perde na tradução? Bom, alguma coisa realmente se perdeu em minha tradução (seja a literal, seja a literária), uma vez que a estrutura construída pelo poeta corrobora o contexto apresentado no poema, em uma relação simbiótica difícil de contornar e reproduzir. Porém, onde velhas relações desaparecem, as novas tomam seu lugar, e onde se lia spring, se tem novo, o que, se não servir como correspondente ideal, pelo menos traz um gostinho do molho da baiana, para o prato do Tio Sam.


Como já mencionamos em outro post, Robert Frost (1874-1963) não é um autor com grande circulação editorial no Brasil, tendo sido publicado em apenas uma edição, de 1969: Poemas escolhidos de Robert Frost; além de ter o livro A Boy’s Will (1913), disponibilizado integralmente na internet, sob o título de Ímpeto de menino (2012), traduzido por Ana Cristina Gambarotto, em sua dissertação.

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