Resenha – Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski

O pior castigo do homem é sua consciência

Crime e Castigo (1886) é considerada uma das maiores obras da literatura mundial, e segue tendo grande influencia na literatura devido ao seu caráter caótico e impecável ao apresentar ao leitor a condição humana de forma bruta. Aliás, o marcante existencialismo presente na obra é visto também na maior parte (talvez em todas) das obras de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), com uma escrita desordenada, personagens complexos e anti-heróis antipáticos, irritantes e um tanto “antissociais”.

Nesse livro, o autor russo conta a história de Rodion Românovitch Raskólnikov, um jovem estudante de Direito que se muda para a São Petersburgo do século XIX, forçado a abandonar os estudos devido a falta de recursos financeiros e se limitando a uma rotina monótona, recluso em seu pequeno e sombrio quarto de pensão, sozinho com seus devaneios. A fim de conseguir algum dinheiro para se sustentar, Raskólnikov penhorava objetos pessoais com Aliona Ivanóva, uma usuária mesquinha e rabugenta pela qual ele nutria completa aversão. Rodion tinha uma teoria própria de que um crime, se cometido por uma pessoa extraordinária que almeja um bem maior (sendo Napoleão um exemplo de pessoas assim, para o anti-herói), seria algo perdoável, e o próprio autor do crime em nada seria afetado (psicologicamente). Raskólnikov, curioso para saber se é uma pessoa Extraordinária ou não e pensando realizar algo para o “bem maior”, passa a planejar o assassinato da velha Aliona com uma espécie crescente de incredulidade, que só desaparece quando enfim o ato é efetivado. Mas o verdadeiro crime ocorre quando Lizavieta, irmã da usuária, entra em cena e precisa ser morta para que não haja testemunhas da morte da velha – Crime cometido, dinheiro e joias roubadas, fuga perfeita.

Durante o restante do livro, acompanhamos então o Castigo de Raskólnikov: ele não faz uso do montante ou das joias roubadas, doando seu próprio dinheiro a pessoas que precisavam e, assim, permanecendo no estado de pobreza inicial, sem nenhuma intenção de melhorar suas condições de vida. E, apesar de afirmar não se arrepender do que fez, tantos são os conflitos internos que o protagonista passa a ter delírios, adoece e perambula sem destino pela cidade, sempre parecendo desejar confessar seu crime a alguém que o absolva de alguma forma. Essa figura é encontrada em Sônia Marmeladova, prostituta e cristã fervorosa, filha de um alcoólatra (Semion) que Rodion conhece por acaso em um bar:

Nela ele procurava um ser humano quando estava precisando de um ser humano; daí que ela o acompanharia aonde o destino mandasse.

Principais impressões

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Primeiro, tenho que confessar que apesar do crime e do gênio odioso de Raskólnikov, segui torcendo por ele durante todo o livro. Seu sofrimento era tão intenso, sua angústia tão notável e sua condição tão humana, que foi difícil não acolhê-lo. E eis o aspecto que fez dessa leitura algo extraordinário para mim: a forma como Dostoiévski é impecável ao mostrar que seus personagens, na realidade, podem ser vistos em nós mesmos de alguma forma. Também nós não cometemos atos por nos pensarmos superiores? E, depois, também não nos torturamos com isso? Não procuramos em outros o que falta em nós? E a todos nós a consciência não castiga em algum momento da vida? Claro, na obra somos apresentados ao extremo da condição humana, mas não é difícil uma identificação.

O sofrimento e a dor são sempre obrigatórios para uma consciência ampla e um coração profundo. Os homens verdadeiramente grandes, a meu ver, devem experimentar uma grande tristeza no mundo.

Outro ponto interessante da leitura foi que a história se passa dentro de 3 ou 4 meses, mas a impressão que se têm é que apenas alguns dias se passaram, tal é a imersão que temos com todo o processo psíquico do protagonista. O tempo passa, mas ao mesmo tempo têm-se uma estagnação. Dessa forma, as quase 600 páginas da obra se transformam, no fim, em um piscar de olhos.

Por fim, um ponto negativo para mim foi a frequência com que Sônia aparece na história. Apesar de os momentos em que ela se encontra com Raskólnikov serem muito significantes e de grande profundidade para os dois, senti falta de conhecer mais sobre a personagem e sobre sua relação com Rodion, de forma que ficou um tanto vago para mim a razão de tão forte conexão entre eles. Mas apesar disso, a história sobre o castigo de um homem que se achava extraordinário foi, para mim, uma das melhores já lidas, fazendo jus a sua fama.

Deus dê paz aos mortos, porque aos vivos ainda resta viver!

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