Alexander Search: a face anglófona de Fernando Pessoa

Texto por Marina Naves

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis… muitos são os poetas — os famosos “heterônimos” —  que habitam o seio de Fernando Pessoa, exaustivamente (ou nem tanto) estudados nas universidades e, quiçá, nas escolas brasileiras. Porém, pouco se fala e estuda sobre uma figura que, embora nascida do grande poeta português, teve toda a sua obra escrita em inglês. Alexander Search é o seu nome, e sua poética não é peculiar apenas pelo idioma utilizado, mas por apresentar características e temas de caráter único.

Um primeiro tema a se abordar é a questão do regicídio e da situação política em Portugal. Escrevendo em um momento conturbado da história do seu país – em que revoltas republicanas ameaçavam o sistema monárquico –, Search incorpora parte do contexto histórico ao seu fazer poético, o que tornou tal tema recorrente em sua obra. Como exemplo da importância do assunto, tem-se o seguinte trecho do poema Epitaphs for the Future, traduzido por mim mesma:

Monarquia

O Inferno que na Terra estava jaz-se aqui
(Muito ele custou a ir
com seu ardil de Justiça)
O Regicídio de Lisboa pela imprensa francesa

Neste excerto nota-se a evidente preocupação do autor de se posicionar acerca dos fatos políticos e sociais que lhe cercavam, que é ainda mais evidenciada pelo fato de tal poema citado ter sido escrito em 1908, ano em que o rei e o príncipe portugueses foram assassinados por militares republicanos.  

Paralelamente, a filosofia do racionalismo é, também, outro tema de considerável importância na obra poética do heterónimo. Sob a influência do pensamento tecnicista, tal corrente filosófica buscava a razão por meio do método científico, da técnica e do concreto. Em Search, este projeto pode ser visto nos seu conjunto de poemas Death of God, que questionam a Igreja Católica e elevam o valor da Ciência. O soneto a seguir, na íntegra, é um exemplo que sintetiza todos os aspectos dessa temática:

Men of science

To toil through time and hate and to consume
Far more than life in Error's hard defeat,
Seeking e'er for the true, for the complete,
Careless of faith and misery and doom -

Is there a nobler task, while life doth fleet,
Than this, to strive to make light amid gloom,
And with hands bleeding to part and make room
In tire for weaker and more unsure feet?

The void o'th' world must with an arch be spanned,
The ways of Nature must be read aright
That there may be a wise and friendly hand

To make this dark world better and more bright.
Oh, with what joy and love I understand
These master-souls that ache for truth and light.

Outros dois temas recorrentes na poesia de Search são a perturbação mental de Jesus e o delírio. O primeiro é sutil e encontra-se diluído em diversos poemas com outras temáticas, principalmente aqueles que tratam sobre questões referentes à Igreja Católica. Por outro lado, a temática de delírio é mais consistente e visível em diversos escritos poéticos do autor, tal como o epigrama a seguir, traduzido por Luísa Freire, que enfatiza a opção de se poder viver em uma realidade onírica:

"Eu amo os meus sonhos", disse eu para alguém
Prosaico, em manhã de inverno, que com desdém
Replicou: «Não sou escravo de Ideal
E, como gente sensata, amo o Real.»
Pobre tolo, o ser e o parecer trocando -
É que eu amo o Real meus sonhos amando.
Three Studies for a Portrait of Henriquetta Moraes, por Francis Bacon (1963)

Para finalizar, o último tema que deve ser mencionado é a questão da agonia, tão presente na obra de Alexander Search. Os poemas de tal tema recordam o ortônimo Fernando Pessoa, com a sua agonia causada pela consciência (e inconsciência) do pensamento. Além disso, os poemas dessa temática evocam um existencialismo profundo, como pode ser notado no exemplo seguinte, traduzido, também, por Luísa Freire:

Dor suprema

Um amigo me disse: «O que tu crias
É sonho e pretensão, tudo fingido;
O pranto com que a mente sã desvias
É decerto forçado e pretendido!

Em toda a canção e conto que fazes
Porquê palavra dura, amargurada?
Por que ao vero e bom não te comprazes
E, jovem, a alegria é desdenhada?»

Porque, amigo, embora seja a loucura
Ora doce, ora dor inominada,
Nunca a dor humana a dor atura

Da mente louca, da loucura ciente;
Porque a ciência ganha é completada
Com o saber dum mal sempre iminente.

Referências:

FREIRE, L. Poesia: Alexander Search. 04-1999. Lisboa: Assírio & Alvim.

Sair da versão mobile