Texto por Isadora Urbano
Henrik Ibsen nasceu na Noruega em 1828. Tornou-se um dos maiores dramaturgos do seu tempo, e nem por isso foi menos controverso em relação aos seus pares. Autor de vinte e oito peças (nem tanto, nem tão pouco, se comparado a Shakespeare ou James Joyce), Ibsen deu corpo a três fases estéticas de sua produção: a primeira, que se estende de Catilina (1850) a Imperador e Galileu (1873), é parte do romantismo; em seguida, de Os pilares da sociedade (1877) a Hedda Gabler (1890), entra na fase realista; por fim, de Solness, o Construtor (1892) a Quando despertarmos de entre os mortos (1899), adere ao simbolismo.
Ibsen foi considerado, por suas obras, o “pai do realismo”, ao lado de autores como Anton Tchekhov e August Strindberg, igualmente consagrados. Diferentemente da composição tradicional da sua época, a peça bem-feita, a dramaturgia ibseniana apresenta o perfil das problem plays (“peças problema”), nas quais o personagem está em conflito com uma instituição, enfrentando problemas contemporâneos a ele. É o caso das tensões sociais e das aporias éticas que são próprias do seu tempo. Por isso mesmo, são peças muito propícias a tematizar a luta pelos direitos de minorias, as injustiças e as incoerências da sociedade.
Nesse sentido, a oposição a seus precursores é clara. Peter Szondi, autor de Teoria do Drama Moderno (1959), é um dos maiores nomes para se discutir o tema. Segundo o teórico, o drama fechado (aquele da peça bem-feita) segue parâmetros bastante rígidos de composição e estrutura: caracteriza-se, paucas palabris, por ser a representação de um conflito (ou ação: drama) inter-humano que se passa no tempo presente, desencadeando-se a partir da forma do diálogo.
Em Ibsen, contudo, a figura muda, e o tempo que era presente se torna passado. Pense bem: em uma peça de teatro, os eventos se desenrolam frente ao seu espectador, como se estivessem acontecendo naquele exato tempo em que o vemos. Isso é o tempo presente a que Szondi se refere. No caso do norueguês, embora a ação aconteça nesse tempo, como exige o teatro, é recorrente a presença de um passado desconhecido do espectador, e que motiva e reverbera na ação, influindo um alto grau de interioridade às peças.
Significa dizer que as peças ibsenianas fogem ao padrão do drama absoluto porque inserem, gradativamente, o elemento épico em sua estrutura. Conhecendo o teatro clássico, sabemos que esse elemento já está presente desde milênios atrás na tragédia grega. Isso porque, para Szondi, o drama absoluto é aquele que se passa entre o Renascimento (à exceção de Shakespeare e do Século de Ouro espanhol) e meados do século XIX, e é nesse sentido que os autores dessa geração instauram o começo de uma crise do drama.
Cabe apontar que hoje outros teóricos, como Jean-Pierre Sarrazac, questionam a crise do drama como um movimento de superação da forma dramática, enquadrando-a, antes, como um transbordamento das formas – como também acontece com a literatura e as artes plásticas.
O drama ibseniano, por isso, cria uma atmosfera interiorizada, questionadora e reverberante, muito contundente para expor as problemáticas do seu tempo. O indivíduo está a um só tempo em luta consigo mesmo, e em confronto aberto com as hipocrisias sociais. Por isso, a interioridade é o carro-chefe da sua literatura, motivando as decisões e o desenvolvimento da trama.
Para dramaturgos e teóricos que o sucederam, Ibsen ainda é um ponto conflituoso: se por um lado se reconhece a sua posição avant-garde, por outro, é também taxado de moralista e obsoleto. Segundo Moi:
Para Brecht e Artaud, e para todos os críticos que os seguiram, Ibsen era burguês, era prolixo, tinha tramas conservadoras, e suas preocupações eram inevitavelmente passé.
MOI, T. Henrik Ibsen and the Birth of Modernism: Art, Theater, Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 26. (Tradução livre)
Raymond Williams, mais comedido, propõe um contraponto justo:
Ibsen era um grande artista, trabalhando em uma tradição que era agudamente inimiga da arte. (…) Devemos lembrar, ao fazer qualquer ato de valoração final, que somos convocados a avaliação algo de que ainda fazemos parte; algo que, mais que qualquer outro homem, Ibsen criou: a consciência do drama moderno europeu.
WILLIAMS, R. Drama from Ibsen to Eliot. London: Chatto and Windus, 1961, p. 97. (Tradução livre)