A voz de Edimilson Pereira já figura entre os leitores de poesia como uma das mais precisas, ásperas e poderosas que os últimos tempos produziram. Com publicações que vêm se colocando paulatinamente desde 1985, o poeta, nascido em Juiz de Fora, produz uma poesia que, dialogando com suas andanças de pesquisador pelo interior mineiro, subverte a ordem natural da linguagem e cria uma fala que – para emprestar a expressão de João Cabral – se fala dolorosa aos olhos e aos ouvidos do leitor.
Os três poemas a seguir foram retirados do livro Qvasi (“como se”, em latim), lançado pela Editora 34, em 2017. Nesta obra, o poeta repete algumas experimentações de poetas anteriores, despersonalizando sua poesia e dando voz aos objetos ou indivíduos marginalizados, além de encontrar, nas margens e limites desses procedimentos, o espaço necessário para colocar sua própria voz e seu estilo.
CORTE
O trigo não tem a cabeça alta depois que a foice passeia. Quem está no campo, a essa hora, não volta com a notícia. Quem fica à espera, embora creia no arco da mudança, quando muito, vai à porta e nutre, em vão, a própria saúde. Se há beleza em tal obra (e existe, no outro lado, uma janela com as bandeiras em eclipse), em ruínas se esculpe.
MALES, NÃO
A mão da cura pensa que é livre, não é. Essa é mão do perigo. Não fosse a derrota da carne, seria ociosa. Não me deito com a doença. A mão que me acompanha pensa igual. Se a roupa ainda está sã, o dono não perdeu a alegria. Não nos foi dado galgar largos o lençol. Pensa que é livre o cavaleiro. Pensa, mas ninguém é arrieiro de sua bagem. A ferida é amiga da mão, quem pode saber? Sua guirlanda e seu farnel são tudo o que importa. A mão guarda as horas demônias
ANÚNCIO
o lazáro se apalpa, depois de tantas mudas, não é a pele que o abriga. vindo pela rua, distrai nossa atenção de outros cadáveres. nessa freguesia, à margem do rio das velhas, velhas não se querem bordados de penélope. aviam o que se move sob a crosta, fortuna e miséria para delírio dos amordaçados. o lázaro pertence à espécie das coisas invisíveis. nenhum de nós o conhece sem a mácula. — vingai a mácula e a carroceria que a transporta. o lázaro administra esse legado e outros disfarçados em matrimônio. o lázaro apazigua os carneiros com a coragem de quem escala o monte de vênus. no lázaro a dor se inocenta e prova a semente prometida. não se humilha, o lázaro. o que se diz sobre ele, ele mesmo no que diz, é duplo. se o separassem, a sombra e a moça padeceriam, obedientes às parcas. não se deem ao lázaro. sua funilaria deixou de funcionar, o timbre em suas arcadas não.
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