para Rafael Fava Belúzio
— Timinho difícil esse — o papai dizia, eu sem entender. Mas o diminutivo não era tanto por conta do tamanho do time – jogadores eram onze, do mesmo jeito, de um lado e de outro; ele dizia aquilo assim, porque aquele time tinha saído de lugar nenhum de dentro de Minas: “timinho”, do interior, era isso, ainda que vindo jogar na capital. A coisa do “difícil”, essa era mais fácil, porque, mesmo sendo “timinho”, a província vinha dar trabalho para a metrópole de um jeito que meu pai nem imaginava, e que mesmo eu mesmo ainda nem sei bem como, mas que, vira e mexe, aparece no gramado.
Neste ano, o time do meu pai atropelou província por província, capital por capital, e foi campeão mineiro e, agora, brasileiro, depois de cinquenta anos sem nem cheiro. Mas, para a sua decepção, eu não sou tão dado a futebol, comemorei pouco, me comovi com a derrota dos que eram menores. A verdade é que eu fico num jogo de quero e não quero saber da vitória e da derrota, jogo que me afunda e me levanta. Daí, enquanto ele comemorava a vitória, posso dizer, rebolando sobre as teclas, eu carangolava pela casa afora, mesmo que em festa de campeão seja difícil achar lugar para carangolices.
Se não são um verbo e um substantivo saborosos, uma mistura de calango, carambola e parabólica, que conheci desde há pouco. Nada eles têm a ver com futebol, eu acho; são um empréstimo útil que faço do último livro que li, que talvez nada tenha a ver comigo também, mas que, por ter gostado um tanto, vou pelo menos tentar resenhar de um jeito diferente, e timidamente, por aqui.
Título: 1929
Autor: Rafael Fava Belúzio
Editora: Impressões de Minas.
Ano: 2021
— Livrozinho difícil esse — eu dizia, ainda sem entender a frase muito bem. Deve ser porque também nunca fui dado à crônica, que tem lá sua coisa de futebol, e que é gênero menor da literatura. Nem sei muito bem como eu ando lendo… sei só que li as 29 crônicas que fazem 1929, e que fiquei sabendo um pouco sobre a cidade de Carangola, cidade mineira de coisa nenhuma, e que “1929” é o número do apartamento onde mora o autor do livro, na cidade grande, um tanto longe daquela Princesinha da Zona da Mata. Carangola: 50% é melancosmopolitismo. Outros 50%, carongolidade, numa conta que, quem sabe, não dá pra fechar com números bestas. A chance de vitória contra o time da casa é baixa, mas não sou matemático e nem comentarista esportivo, e, mesmo estudando literatura, o que sei eu de crônica pra falar alguma coisa sobre? Só que é um gênero menor da literatura.
— No sentido deleuziano? — perguntou minha noiva.
Não sei… Mas tem qualquer coisa no livro de disputa entre campeão do campeonato contra time que tenta evitar o rebaixamento. E qualquer outra coisa que se desprendeu de Carangola, de dentro do interior, pra ocupar meu gramado. Ontem encontrei um carangolense no pedinte do sinal, e nas crianças do playground no prédio, e outra comprando remédios com o balconista da farmácia… Nenhum deles deve conhecer Carangola, que eu saiba, mas a gente nunca sabe mesmo o que está fazendo com a nossa vida… Eu mesmo, nasci na cidade grande em que, hoje, o autor de 1929 tem morado; e vivi a maior parte da minha vida (até aqui) bem aqui. Isso, na verdade, nem tem importância nenhuma para Carangola, que não me conhece e nem precisa… Que sei eu de você, Carangola? Tanto quanto sei de crônica, que é o que me contou um livro, apenas.
Eu nunca fui até Carangola, mas acho que, algumas muitas vezes, ela veio visitar minha casa. Foi num domingo, bem no fim da tarde, na última cerveja do freezer, que congelou. Veio também numa quarta, à noite, quando li um verso de Drummond, e num outro dia, quando li um de Mário, e até num romance de Lygia Fagundes, num poema que escrevi, e detestei.