1.
Suicídio. Poucos assuntos exigem tanta delicadeza para se escrever quanto este. Talvez, em parte, porque o assunto permanece com certo estatuto de tabu, mas em parte, também, porque nos coloca em contato com o sofrimento humano num limite tão extremo que pode ser mais fácil não ver, não falar e não se permitir nem mesmo pensar sobre, com o receio de que, falando abertamente sobre o assunto, possamos “plantar ideias”, ou, para o nosso desconcerto, não saber o que dizer ou fazer.
De um ponto de vista psicanalítico, falar sobre o tema com alguém que tem tido ideações suicidas é mais recomendado que silenciar o assunto, e, é claro, há modos e modos de se fazer isso. Nesse sentido, é importante validar a experiência do sujeito, evitando os juízos morais, os preconceitos (como o de que o suicida “só quer chamar atenção”), ou os bem intencionados (porém surdos) apelos para que melhore logo “pois tudo ficará bem”. Ao invés disso, o que se pode oferecer é uma escuta solidária, que permita ao outro compreender seus sentimentos e a sentir-se menos isolado. Pode parecer pouco, mas mesmo para isso é preciso coragem!
Na clínica psicanalítica lacaniana, trabalha-se com três tempos: tempo de ver, de compreender e de concluir. É na dilatação do tempo de compreender que, frequentemente, um sujeito pode elaborar melhor o seu sofrimento e escolher um destino melhor para si mesmo que o auto-extermínio. Quanto a isso, é curioso que um dos fatores mais criticados da psicanálise, o fato de uma análise ser muito longa, é justamente o que oferece mais chances para o analisante, evitando que ele passe muito depressa do momento de ver (por que está sofrendo) para o de concluir (que o melhor seria morrer).
Na prática, a ambição não precisa ser tão grande: trata-se apenas de adiar a morte, até que se possa encontrar e inventar as razões pelas quais ainda valha a pena viver. O que não tem nada de óbvio.
2.
A adolescência é um período marcado por fortes mudanças, desde o afrouxamento do vínculo com os pais e o luto da infância ao desafio de produzir uma identidade mais compatível com os anseios do jovem em transformação, que podem torná-lo mais suscetível ao comportamento suicida. Além dessas mudanças esperadas e, num certo sentido, desejáveis – mas difíceis –, há outros determinantes no aumento do comportamento de risco, como abusos, disfuncionalidade na dinâmica familiar, bullying, luto, histórico familiar de suicídio e dificuldades de relacionamento.
Além disso, hoje também não se pode desprezar o peso dos ambientes virtuais: é expressivo que o índice de suicídios de garotas adolescentes tenha crescido 65% entre 2010 e 2015, relacionado ao aumento do tempo gasto nos dispositivos digitais, os quais, embora possam ser de muito proveito, estão relacionados a uma amplificação da comparação com os outros, do “fomo” (fear of missing out), da sensação de solidão e da lógica do curto prazo, acentuando a angústia. Esta, por sua vez, se torna ainda mais intratável quando há certa fragilidade por parte do jovem em produzir narrativas a respeito de si mesmo, de modo que o ato prevalece no lugar da fala, tornando-o mais vulnerável, com ou sem intenção deliberada.
Ainda assim, é importante considerar que “a conduta de risco do adolescente é mais uma tentativa de existir do que de morrer”, nos termos de Nassau.* Por isso é tão fundamental olhar com cuidado o caso a caso, e, quando possível, trabalhar no sentido de reforçar os fatores de proteção, que são, entre outros, segurança física e emocional, estabilidade familiar, boa rede de amigos, boas competências de relacionamento e experiências amorosas positivas. Pode não existir a fórmula para a felicidade nem a garantia de que seguindo uma receita dê para estar fora de risco – afinal, como diz Riobaldo, “viver é muito perigoso” –, mas dá pra tentar fazer da existência um fardo menos pesado de se carregar.
Reflexões inspiradas pelas aulas da professora Carolina Nassau, no curso “O suicídio para a psicanálise e suas implicações no manejo clínico com adolescentes” – PSILACS, fevereiro de 2022.