Resenha – “A pérola que rompeu a concha”, de Nadia Hashimi

Quando a história se repete, de novo, e mais uma vez

Recentemente, o Talibã assumiu novamente o controle do Afeganistão, gerando preocupações ao redor do mundo sobre a vida dos afegãos, e sobretudo das mulheres. Isso porque, após um primeiro conflito, que ocorreu em 1996, muitas delas se viram abandonadas, em um mundo à parte, onde seus gritos não eram ouvidos; seus corpos, desde então, deveriam ser totalmente cobertos, ao mesmo tempo em que eram violados frequentemente. Além disso, seus direitos de ir e vir foram restritos, e estudar e trabalhar deixou de ser uma opção para elas. Agora, em 2021, essas mulheres se veem novamente atacadas e abandonadas, entregues ao medo, por si mesmas e pelas suas semelhantes.

Eu compreendi algo que minha mãe já sabia: os homens podem fazer o que quiserem com as mulheres.

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Em A Pérola que rompeu a Concha, publicado em 2017, escrito por Nadia Hashimi, podemos conhecer de forma mais íntima a realidade feminina afegã. Rahima, a personagem central do romance, vive em meio à opressão do Talibã e, assim como suas irmãs, raramente é autorizada a ir a escola. Ela observa os meninos e os inveja: – Eles são livres. Devido aos empecilhos impostos pelo governo, é permitido a ela ser uma bacha posh, uma prática que consiste em “redefinir” o gênero e que permite a uma menina se vestir como um menino para ajudar sua família, até que a puberdade chegue e ela seja obrigada a se casar. Isso acontece com Rahima aos 13 anos, quando é dada em casamento para um homem, deixando para trás sua família para viver com um homem perigoso e com suas outras três esposas, mas o tempo todo se questionando quanto à injustiça contra ela e outras meninas.

Às vezes, as mulheres são humilhadas demais, chutadas demais, e não há saída para elas. Talvez ela achasse que era o único caminho.

Paralelamente aos problemas vividos por Rahima, conhecemos a história de Shekiba, que é trisavó da personagem. Shekiba era vista por todos como uma amaldiçoada – porque tem metade de seu rosto deformado por uma queimadura – e, pouco a pouco, perde cada um dos membros de sua família, vendo-se sozinha em uma sociedade desigual, cruel e impiedosa. Assim como Rahima, ela se “transforma” em homem e passa a trabalhar como guarda do harém do rei, que não admitia que suas concubinas fossem vigiadas por homens reais. A história de Shekiba inspira Rahima a buscar um futuro diferente para si e para seus filhos, desafiando as regras impostas pelo estado masculino e colocando sua vida em risco, assim como ocorre em diversos momentos com sua trisavó.

As pessoas que são atingidas pela tragédia uma, duas vezes, estão fadadas a sofrer outra vez. O destino acha mais fácil refazer o próprio caminho.

Principais Impressões

A história dessas duas meninas/mulheres nos mostra que, apesar de se falar na tendência ao progresso, ele não chega para todo mundo. A retomada do Talibã ao poder confirma que essa realidade cíclica e cruel não acontece apenas na literatura: está aí para quem quiser ver. O sofrimento das personagens é tangível: o medo constante, a solidão, a depressão, a desigualdade, tudo isso é apresentado de forma crua ao leitor. Apesar disso, é inspirador (mesmo que muito doloroso) perceber a força dessas duas mulheres, que de fato representam tantas por aí. Elas seguem em frente, carregando uma bagagem pesada de preconceitos e repressões.

No limite, A Pérola que rompeu a Concha é uma ficção-real, não necessariamente biográfica, que demonstra na prática aquilo que disse Simone de Beauvoir: “Nunca se esqueça de que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você tem que manter-se vigilante durante toda a sua vida”.

Há um beijo que desejamos com todas as forças. O toque do espírito no corpo. A água do mar implora à pérola que rompa a sua concha.

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