Resenha – “A Filha Perdida”, de Elena Ferrante

Filhas e mães, perdidas em si mesmas

A Filha Perdida é uma obra da genial Elena Ferrante, lançada em 2006, e ganhou visibilidade após o lançamento da adaptação feita pela Netflix. Acompanhamos a história, presente e passada, de Leda, mãe de duas filhas e professora universitária. A vida tranquila e estável que Leda vivia após as filhas se mudarem para o Canadá com o pai é arrancada de si mesma quando, de férias na Itália, conhece Nina, a jovem mãe de Elena, que trata como filha sua inseparável boneca.

Há variações bruscas que nenhum gráfico é capaz de reproduzir, um momento é luminoso, outro é obscuro.

De longe, Leda idealiza Nina, sua maternidade suave, leve, cheia de carinhos. E, na medida em que se aproximam, Leda começa a se recordar de seu passado, de segredos escondidos no próprio intimo, de arrependimentos e escolhas que ainda pesam imensamente em sua existência. Da relação com a própria mãe à relação com suas filhas, Leda passa a enxergar em Nina os conflitos comuns a várias mães, a maternidade bruta e real, as culpas e conflitos de ser definida não mais como Leda, professora e acadêmica bem sucedida, mas Leda, mãe de Martha e Bianca.

Naquela época, eu tinha uma dor de estômago constante por causa da tensão. Era o sentimento de culpa: eu achava que todo sofrimento que atingia as minhas filhas era fruto do já comprovado fracasso do meu amor.

Na medida em que o passado se revela, em que o presente se apresenta como é, Leda agarra a oportunidade de novamente ser mãe, encontrando em Nina, Elena, e em um certo objeto, uma forma de traçar paralelos com sua própria história. O que antes estava superado, agora retorna, enfim, a superfície. A carga de ser mãe novamente a arrebata e a confunde, e traz para nós, leitores, questionamentos importantes sobre o papel materno diante da sociedade.

Quantas coisas estragadas, perdidas havia em meu passado, mas, naquele instante, ainda estavam presentes em um turbilhão de imagens

MINHAS IMPRESSÕES

Esse foi meu primeiro contato com a escrita de Elena Ferrante, e me surpreendi muito com a semelhança entre essa obra e Laços, de Starnone. Não nas histórias em si mesmas, mas na forma como ambos os autores relatam os conflitos internos, de forma um pouco bruta, um pouco sensível, que permite ao leitor colocar ali a própria subjetividade.

Além disso, a forma como a autora apresenta a maternidade é excepcional. No meu trabalho como psicóloga, percebo que uma questão comum às mães é a carga excessiva de se sentirem obrigadas a se definir assim, como mães. Não mais pessoas com uma subjetividade única, mas apenas mães. E Leda mostra como ser reduzida a isso pode ser problemático, o quão importante é para uma mulher ser algo além desse papel social, que parece tirar de nós as possibilidades de sermos mais.

Todas as esperanças da juventude já me pareciam destruídas, era como se eu estivesse caindo para trás na direção de minha mãe, da minha avó, da cadeia de mulheres mudas ou zangadas da qual eu derivava.

Elena Ferrante, com todo o seu brilhantismo, mostra aos leitores as diversas nuances da maternidade, arrancando de nós a ideia romantizada de uma mãe saudável, amorosa, completa e feliz apenas por ter filhos. Ela mostra que, apesar de esses sentimentos poderem sim existir, eles não anulam o lado humano comum a todos nós, a possibilidade de se frustrar, de se arrepender, de querer voltar para uma vida que é só sua. É um abraço em todas as mães que se sentem desamparadas e culpadas por não quererem mais ser reduzidas apenas a isso, por não sentirem a magia da maternidade como por tanto tempo nos foi pregada. E, no fim das contas, a filha perdida pode ser Nina, Leda, Martha, Bianca, Elena, eu, você.

Eu estava como alguém que conquista a própria existência e sente um monte de coisas ao mesmo tempo, entre elas uma ausência insuportável.

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