Lituraterras n. 1
Nas suas Cartas a um jovem terapeuta (2008), Contardo Calligaris escreve sobre a psicanálise com um tom descontraído e pouco acadêmico, que serve tão bem aos não iniciados quanto aos que já pegaram o bonde (sempre andando) da psicanálise.
Em dezesseis cartas e alguns bilhetes, somos convidados a refletir sobre questões práticas e filosóficas da análise e das psicoterapias, num texto fluido e bem articulado que traz referências históricas, anedotas e “causos” sobre as vivências do autor.
Ao longo delas, Contardo tece comentários sobre as modas entre analistas, tanto as do passado como algumas mais recentes, a história da psicanálise francesa, da qual fez parte, nos anos 1960 e 1970, sua decisão de enveredar por esse caminho e suas ideias sobre o que (se) pode ou não esperar (de) quem deseja seguir a mesma via.
Não deixam de estar presentes, também, reflexões sobre o que é o “normal” para a psicanálise, o que se pode esperar enquanto “cura”, a relação do psicanalista com a ética da sua clínica, tópicos mais ou menos polêmicos – como a importância da infância e da sexualidade para a psicanálise, ou a inutilidade dos conflitos entre psicanálise e neurociências, ou psicanálise e religião –, e sobre as características que o autor considera desejáveis em quem considera a ideia de se tornar analista, as quais reproduzo parcialmente aqui:
- Um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por mais diferentes que sejam de você.
- Uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito.
- (…) uma certa quilometragem rodada; e
- (…) uma boa dose de sofrimento psíquico.
Pessoalmente, adorei as provocações. Se não for pra concordar, se prestam, no mínimo, a deixar as ideias fermentando… Um prazer que não me recuso, mesmo que não seja, de todo, inofensivo.