Resenha – “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry

Uma jornada encantadora

Terminei esse livro de fato encantador. A edição, feita pela Geração Editorial, é muito linda: páginas e letras coloridas, decoradas e com inúmeras ilustrações, muitas vezes desenhos do próprio personagem, deixando a leitura mais divertida ainda. A trama também é bem interessante e curiosa, mas sinto que não consegui aproveitar todo o seu potencial.

Resumo da obra

Uma criança, inspirada por um livro ilustrado que leu, desenha uma jiboia digerindo um elefante. Orgulhosa com seu primeiro desenho, ela resolve mostrar para os adultos sua obra prima. Porém, os adultos conseguem enxergar apenas um chapéu (o desenho de fato se parece também com um chapéu) e isso decepciona o jovem garoto. Por isso, ele resolve fazer um segundo desenho mostrando o elefante dentro da jiboia, revelando a parte de dentro do desenho anterior. Os adultos descartam sua nova obra e aconselham a criança a fazer algo mais útil, como estudar geografia ou história.

Deixando seu lado artista de lado, esse menino cresce e se torna um piloto de avião. Curioso, ele mostrava seu primeiro desenho às pessoas que conhecia para saber o que elas achavam dele, mas sempre respondiam que era apenas um chapéu. Um dia, em certo voo, um acidente acontece e o avião cai no meio de um deserto na África. Felizmente (ou não), só havia ele no avião.

No meio do nada com um avião danificado e mantimentos limitados, o jovem piloto ouve a doce voz de um garotinho, solicitando um desenho de um carneirinho. O garotinho era pequeno e muito encantador. Estranhando, e curioso com todo o acontecimento, o rapaz resolve mostrar para o garotinho seu primeiro desenho, que sempre carregara consigo. O garotinho reclama que ele não quer uma jiboia digerindo um elefante, mas sim um carneirinho. O rapaz então fica surpreso com a resposta, pois foi a primeira pessoa a acertar o assunto de seu desenho.

Daí em diante, o rapaz e o garotinho, um pequeno príncipe de um planeta distante, conversam e refletem sobre a vida.

Pontos Positivos

A leitura foi suave e sem dificuldades, além de ser um colírio para os olhos de tantos detalhes e enfeites bonitos na edição. A viagem do pequeno príncipe e suas inúmeras conversas levantam pontos sobre a vida, tocando em assuntos que nos levam a refletir e ponderar (de forma positiva) sobre o mundo que nos circula. É interessante como tudo é falado de forma sutil e divertida, muita vezes como parábolas e enigmas.

Pontos Negativos

Os pontos negativos costumam ser uma dificuldade minha, mas acredito que, no caso desse livro, os muitos detalhes abstratos tenham me incomodado. Enquanto alguns traços são mais fáceis de assimilar, outros dependem muito da perspectiva e entendimento do leitor, o que fez com que eu sentisse que muita coisa passou batido, e essa falta de entendimento/sentido do enredo me deixa realmente incomodado.

Comentário Final

Apesar da leve dificuldade, essa leitura ainda se provou prazerosa e frutífera. Como não faço nenhuma crítica técnica e avalio apenas com base no que conheço e, principalmente, no que sinto durante e após a leitura, digo que gostei muito desse livro, mas não tanto quanto gostaria. Recomendo a leitura, reafirmando que, além de pequeno, é belo “O pequeno príncipe”.

5 poemas de amor para o Dia dos Namorados

Ah, o Amor! Um dos temas mais explorados pela literatura e pelas outras artes – que vem nos acompanhando desde os tempos mais antigos, não deixando de alcançar também as inventivas ficções futuristas – sem jamais esgotar-se, contudo. No post de hoje, dedicado ao Dia dos Namorados, nós do Duras Letras separamos cinco poemas que trabalham o Amor, lhe dando cara e cabelo, nome e brilho, voz e silêncio. A seleção é composta apenas por poetas brasileiras e brasileiros, alguns do século XIX, outros do século XX. E sabemos, é claro, que muitas joias preciosas poderiam ter entrado nessa lista, sendo ela, como qualquer outra, incapaz de dar conta de uma temática tão vasta ou mesmo de apreender toda a chama do Amor, que devora os corações. De qualquer modo, esperamos que os poemas abaixo, se não servirem de chama, pelo menos despertem uma fagulha.

Poema sem título, de Álvares de Azevedo (1831-1852)

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era a mais bela! Seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

Poema Os cisnes, de Júlio Salusse (1878-1948)

A vida, manso lago azul algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido para nós constantemente
um lago azul sem ondas, sem espumas.

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
matinais, rompe um sol vermelho e quente,
nós dois vagamos indolentemente,
como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo:
quando chegar esse momento incerto,
no lago, onde talvez a água se tisne,

que o cisne vivo, cheio de saudade,
nunca mais cante, nem sozinho nade,
nem nade nunca ao lado de outro cisne!

Poema V, de Hilda Hilst (1930-2004)

Aos amantes é lícito a voz desvanecida. 
Quando acordares, um só murmúrio sobre o teu ouvido: 
Ama-me. Alguém dentro de mim dirá: não é tempo, senhora, 
Recolhe tuas papoulas, teus narcisos. Não vês 
Que sobre o muro dos mortos a garganta do mundo 
Ronda escurecida? 

Não é tempo, senhora. Ave, moinho e vento 
Num vórtice de sombra. Podes cantar de amor 
Quando tudo anoitece? Antes lamenta 
Essa teia de seda que a garganta tece. 

Ama-me. Desvaneço e suplico. Aos amantes é lícito 
Vertigens e pedidos. E é tão grande a minha fome 
Tão intenso meu canto, tão flamante meu preclaro tecido 
Que o mundo inteiro, amor, há de cantar comigo.

Poema Eros II, de Orides Fontela (1940-1998)

O amor não
vê

o amor não
ouve

o amor não 
age

o amor
não.

Poema Escritura, de Armando Freitas Filho (1940- )

No escuro eu não apuro 
o que de você existe entrelaçado 
neste muro: no escuro o que procuro
é a cruz do seu corpo, a cicatriz,
o punho, a palma no instante
da abertura, o espaço tão vazio
onde situo, a perda, a rutura,
a veia degolada, e gota a gota
o inútil rumo do meu sangue: 
– um derrame de ramos feito de sussurros –
e esta ferida que não cessa,
e que tanto me custa descrevê-la,
e quanto mais eu grito, mais ela fura:
– sanha, descostura de mim, – amor,
eu sangro aqui, sob a lâmina
da sua fala, assim, punhal,
palavra que não seguro e se enterra
até o fundo, até o cabo, em toda a treva, 
e na esplanada de areia da memória 
o que escrevo é somente um risco,
um corte que a lembrança recorda, 
ou este acorde que suas garras tocam.

Crônica – “O Túmulo de Eros”, de Paulo Bittencourt

Trilhar um caminho que consiga fazer encontrarem-se pensamento e escrita. Essa é a função a que me dedico quando me ponho, vez ou outra, frente a essa atividade. Sair de um emaranhado fragmentado e incompreensível de ideias e sensações amalgamadas para a organização funcional da comunicação. Não, não se pode restringir o estado bruto do sentimento à sua função comunicativa; isso seria diminuí-lo e poderia até retirar-lhe aquilo que guarda de mais elegante – seu caráter poético.

A tarefa da qual hoje me encarrego é talvez autorreflexiva, pois que se debruça justamente sobre essa transição. E sempre me atento a buscar um ponto palpável para que, daí, seja possível dar o primeiro passo rumo àquele espectro último, ainda invisível para a consciência. Todos nós, com maior ou menor regularidade, cedemos ao impulso da racionalização. Digo, é muito comum que tentemos colocar todo o pensamento em ordem, por vezes até criando diálogos imaginários dos quais sempre saímos “vitoriosos”, nessa fantasiosa missão retórica de persuasão. É o famoso argumento debaixo do chuveiro, que na prática nunca é repetido à perfeição.

A perfeição é atributo das coisas em seu estado imaginativo. Prender-se dessa maneira à expectativa idealizada pode representar para o caminho um obstáculo intransponível – a prisão em potencial que o pensamento representa para a ação. Se o desejo é a entrega a esse estado musical, primevo, de desorganização, em que sentimos à flor da pele a espontaneidade do prazer, a embriaguez essencial do corpo; a racionalização, o domínio da potência, minariam essa a força ativa, restringindo-a a seu estado de potência, sempre limitada à consciência. Eros jaz nas mais profundas esferas do pensamento; as correntes mais rígidas o impedem de manifestar sua atração – o próprio desejo. Um grande fantasma – essa dúvida permanente – acaba por se tornar o conforto tranquilizador contra o impulso erótico. Fonte de equilíbrio e sobriedade.

Creio fielmente que há em todos nós um pouco de Orfeu – devoção à embriaguez e à desordem, à música e à poesia. Mas o fim leva-nos a um estado tal de melancolia que o próprio selo dionisíaco se torna refém do Sol, e o destino não pode ser senão trágico, como o fora na mitologia. A maldição da eterna dúvida, a condição essencial de sempre estar à frente daquilo a que se quer dedicar, a quem se quer amar, para, ao final, virar-se e experimentar o desaparecimento do desejo. Seria possível atribuir a ele próprio o erro maldito, ou seria já desde o início plano punitivo dos deuses contra sua irreverência?

Já não consigo distinguir – e já não sei até que ponto vale a pena fazê-lo. A música não se apresenta mais senão sob o silêncio; as musas já não oferecem a sua graça para a poesia. Sinto-me completamente dominado pelo exercício da razão, de colocar todas as peças do quebra-cabeças em seus devidos lugares, mentalmente, e de me contentar com esse estado. De gozar desse estado. Essa parte essencial de nós em que se encontra a dança – eu a mereço, sou-lhe digno? Fato é que esse peso se encontra posto sobre mim, mas tenho apenas duas mãos…


Devaneios de um viajante solitário

Em tempos de isolamento, a conexão pela palavra é a potência. Crônicas com as quais se possa identificar e a partir das quais se possa refletir, parar tirar de si aquilo que há de latente e encarar de frente, nunca mais desistir. Vamos juntos pelas ruas tortas desse mundo, de mãos dadas.

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