Sobre presenças, ausências e a polêmica literária da vez

Em "Sobre presenças, ausências e a polêmica literária da vez" debatemos o mal estar que a lista de leituras da FUVEST gerou entre professores de literatura.

Nos últimos dias tem se discutido bastante sobre presenças e ausências, na polêmica literária da vez. Para quem não sabe do que estamos falando, recentemente a FUVEST divulgou uma lista com aquelas que serão as autoras lidas no seu vestibular do próximo triênio (2026-2028). Dizemos aqui “autoras” porque a lista é composta só por mulheres (a maioria delas já muito consagrada no meio literário), o que gerou um mal estar entre acadêmicos, que escreveram uma carta contra a fundação que organiza a prova, pedindo a mudança da lista.

Não estamos de acordo com a posição defendida pelos autores da carta, que aliás está assinada por nomes importantíssimos para os estudos de literatura no Brasil. Por isso, como não houve abaixo-assinado de acadêmicos contra as listas anteriores da FUVEST, decidimos deixar alguns pontos em que viemos pensando, para contribuir com o debate:

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Antes de qualquer coisa, é importante dar um google nas listas anteriores… Elas falam por si sós. (Deixamos no carrossel abaixo algumas das mais recentes. Apenas observem.)

Os dados podem ser sintetizados da seguinte forma: 2016 e 2017 (nenhuma autora); 2020, 2021 e 2022 (entra Helena Morley, em 2018, e em 2021, Cecília Meireles, apenas). Note-se a ausência absoluta de autoras não brancas antes de 2026. As quatro imagens finais são as novas listas (de 2026, 2027, 2028 e 2029).

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Uma lista composta apenas por autoras não é uma lista de literatura precária. Estamos falando de grandes nomes da literatura de língua portuguesa, que com frequência ganham menos destaque na historiografia literária que seus pares do sexo masculino. Não dá para comparar a projeção (de mercado e de estudos) entre a literatura escrita por homens e a escrita por mulheres: segundo a pesquisa de Regina Dalcastagnè, no Brasil, 72,7% dos autores são homens, 93,9% brancos.

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Vale a pena dar uma olhada na composição das listas de 2026 a 2028. São autoras como Rachel de Queiroz, Sophia de Mello Breyner Andersen, Lygia Fagundes Telles, Conceição Evaristo e Clarice Lispector, por exemplo, além de outras de menor projeção. Ou seja: não estamos falando de estreantes, mas de nomes consagrados e de muito prestígio no meio literário.

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Trazer uma lista de autoras, incluindo autoras negras, também significa trazer perspectivas diversas das que vêm sendo trazidas até aqui para o debate. Não é apenas reparação histórica ou representatividade, mas abertura para olhares e pontos de vista distintos no universo da literatura.

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Em tempo, parece preciso dizer: o fato de existir num livro uma grande personagem (Medeia, Antígona, Julieta, Hedda Gabler, Anna Karenina ou Capitu) não faz do autor do livro uma mulher. Por isso, não traz a perspectiva feminina, destacada no tópico anterior. Outra coisa, ser ou não feminista também não resolve, ainda que seja, claro, um ponto positivo. (Ou seja, o apelo a Machado e Capitu não dá conta das ausências no quadro geral).

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De qualquer forma, Machado estará de volta à lista já em 2029, junto com Érico Veríssimo e Luís Bernardo Honwana, além das autoras que ainda estiverem na composição do triênio. E nesse meio tempo, podem estar tranquilos, os grandes nomes do cânone não deixarão de ser lidos nos muitos outros espaços em que continuam sendo regra.

Aliás, serão só três anos das tais listas apenas com autoras. Quantos foram os anos com duas, uma ou nenhuma mulher na lista? A pergunta não é retórica: tentamos calcular e não conseguimos, já que são muitos.

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É sintomático que uma lista só de autoras cause tanto rebuliço, quando a maior parte das disciplinas da graduação em Letras (sem falar na estilística do Ensino Médio) é composta quase exclusivamente por autores homens (à exceção, claro, de Clarice, que aparece como menção honrosa ao gênero, para não dizer que não falamos das flores).

Por que essas listas incomodam tanto?

Sabemos: vão falar da literatura em perigo, da sociologização da literatura, da literatura como documento, da importância irrevogável de determinados nomes (tão seguramente indispensáveis quanto dispensáveis os das autoras até então ausentes), ou da militância errática, da injustiça com os autores (que de nada têm culpa), dos meios inadequados de buscar reparação, da perda do valor da literatura em si mesma, da pouca importância do gênero e da cor de quem escreveu (pois “o que importa é a qualidade”), dos ressentimentos (Harold Bloom mandou lembranças), etc etc etc.

Mas tudo isso está aí há muito tempo: a literatura está “em perigo” desde que nasceu. E tem se mantido pelo desejo de quem a ama. Por isso, repetimos a pergunta: por que tanto incômodo?

Às vezes, é preciso sustentar o mal-estar para continuar caminhando. 

A passos lentos, mas firmes, caminhamos. Avante.

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