Conto – “Azrael e o príncipe”, de Ohran Pamuk

“Há muito tempo, havia um príncipe igual ao seu”, começou ele.

O príncipe era filho primogênito e favorito do rei. O rei amava muito o filho, fazia-lhe todas as vontades e promovia banquetes e festas em sua homenagem. Um dia, durante uma dessas festas, o príncipe viu um homem de barba preta e semblante sombrio ao lado de seu pai e percebeu que se tratava de Azrael, o anjo da morte. Os olhares do príncipe e de Azrael se cruzaram, e eles se fitaram surpresos. Depois da festa, o príncipe, aflito, disse ao pai que Azrael estava entre os convidados e que com certeza estava atrás dele: o príncipe percebera isso no semblante do anjo.

O rei ficou com medo: “Vá direto para a Pérsia, não conte nada a ninguém, mas esconda-se no palácio de Tabriz”, ele disse ao filho. “O xá de Tabriz é nosso amigo; ele não vai deixar ninguém pegar você.”

Então o príncipe foi enviado à Pérsia imediatamente. Depois disso, o rei deu outra festa e convidou o sombrio Azrael, como se nada tivesse acontecido.

“Meu rei, vejo que seu filho não está aqui esta noite”, disse Azrael, mostrando-se preocupado.

“Meu filho está na flor da juventude”, disse o rei. “Ele vai ter uma vida longa, se Deus quiser. Por que você pergunta por ele?”

“Três dias atrás, Deus me mandou ao palácio do xá de Tabriz, na Pérsia, para pegar seu filho, o príncipe!”, disse Azrael. “Foi por isso que fiquei muito surpreso e feliz ao vê-lo ontem aqui em Istambul. Seu filho viu o modo como olhei para ele, e acho que entendeu o que significava.”

Azrael deixou o palácio imediatamente.


Esta é uma famosa narrativa da cultura árabe, que aparece recontada nos livros religiosos islâmicos, e que ganhou algumas variações literárias. A versão aqui apresentada, por exemplo, foi redigida pelo autor turco Ohran Pamuk, sendo uma das muitas pequenas histórias que aparecem ao longo da obra A mulher ruiva, publicada pela editora Companhia das Letras, em parceria com a TAG – Experiências literárias, em 2021.

Deixamos, abaixo, uma suposta versão religiosa desta narrativa, um dos fragmentos do Corão. Infelizmente, não conseguimos determinar precisamente a fonte, portanto o texto é apresentado aqui apenas a título de curiosidade e não como material de pesquisa aprofundada.

Quando Asrael, o anjo da morte, passou certa vez por Salomão, dirigiu o olhar a um dos seus convivas. Este perguntou:

– “Quem é ele?”
– “O anjo da morte.” – respondeu Salomão.
– “Parece que ele pôs o olho em mim.” – continuou aquele. – “Por que não ordenas que o vento me leve daqui e me largue na Índia?”

Foi o que Salomão fez. Aí o anjo disse:

– “Se o fitei por tanto tempo, é porque ele me causou estranheza, uma vez que eu tinha ordens de buscar sua alma na Índia, ao passo que se encontrava contigo em Canaã.”

Esta história foi contada por Beidhawi, intérprete do Alcorão.
Sair da versão mobile