Três livros para conhecer o Japão

Apesar de sempre nos parecer um pouco distante, a cultura japonesa certamente está presente no nosso imaginário, tendo um nicho enorme de conteúdos na internet e fora dela. Seja por conta dos mangás, dos animes, das light novels e mesmo da literatura em sentido mais restrito, as narrativas que tematizam a história do Japão (com samurais, ninjas, gueixas e os xogunatos) – mais conhecidas como ficções históricas japonesas – são bastante populares e conquistam o grande público.

Em uma busca rápida por livrarias online (em inglês e em japonês), essas ficções históricas aparecem aos montes e em vários formatos – em filmes, séries, animes, etc. –, principalmente na forma de livros. Porém, quando pesquisamos o gênero em livrarias brasileiras, é preciso se esforçar um pouco para encontrar os que foram traduzidos para o português.

Por esse motivo, fizemos uma pequena lista para você que se interessa pelo gênero, pela cultura e pela história do Japão, trazendo alguns exemplos de ficções históricas japonesas disponíveis no nosso idioma. Na lista, incluímos tanto romances escritos ou por escritores nascidos no país asiático, como por descendentes diretos e desgarrados, que vivem em outros países (como no caso de Kazuo Ishiguro). Além disso, tentamos trazer obras que fazem um panorama histórico, já que as ficções históricas não necessariamente se restringem ao Japão feudal.

Musashi — de Eiji Yoshikawa, com tradução de Leiko Gotoda


Muitos fãs e leitores chegam até esta obra por conta de um célebre mangá inspirado nela: Vagabond, de Takehiko Inoue. Em linhas gerais, Musashi é um romance épico que ficcionaliza a vida e a história de Miyamoto Musashi, um dos mais renomados espadachins e um rōnin do Japão Feudal, tendo como foco principal as aventuras e experiências desse guerreiro após a Batalha de Sekigahara: a batalha da “Divisão dos Reinos”, em 1600.

Bando de pardais — de Takashi Matsuoka, traduzido por Heloisa Maria Leal


Bando de pardais é um livro que tem como cenário o Japão da abertura política, isto é, o Japão do século XIX, que passava por uma intensa agitação depois de dois séculos com as fronteiras fechadas. O país recebe um grupo de missionários americanos que são o gatilho para virar a vida do personagem principal de cabeça para baixo: Genji – um jovem senhor de Akaoka e também um profeta – que tem uma visão mágica, na qual sua vida seria salva por um estrangeiro. Entre batalhas violentas e profundos conflitos culturais, a narrativa foca os dramas vividos por Genji, por sua companheira (uma gueixa) e por seu tio (um espadachim), que juntos do grupo de missionários vão até o castelo Bando de Pardais.

Um artista do mundo flutuante — de Kazuo Ishiguro, com tradução de José Rubens Siqueira


Ishiguro, para muitos, dispensa apresentações, porque foi ganhador do Nobel e amplamente publicado e divulgado no Brasil. Ainda assim, Um artista do mundo flutuante (Companhia das Letras, 2018) não está entre suas obras mais populares, ainda que seja uma ótima ficção histórica. 

Diferente dos livros de Eiji Yoshikawa e de Takashi Matsuoka, este – que foi o segundo trabalho de Kazuo Ishiguro – tem como pano de fundo um Japão mais contemporâneo, do século XX. A narrativa é contada por Masuji Ono, um artista atormentado por seu passado recente, porque esteve diretamente envolvido com a extrema-direita japonesa, participando do movimento imperialista e criando propagandas para sua divulgação. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Ono se vê obrigado a assumir a responsabilidade pelas decisões que tomou durante o conflito internacional e que feriram profundamente seu país.

Rakushisha – de Adriana Lisboa (livro extra)


Este livro provavelmente não deveria estar nesta lista, porque, além de não ser especificamente uma ficção histórica, é uma obra da literatura brasileira contemporânea. Mesmo assim, vamos abrir essa leve exceção, pois é realmente um ótimo livro e que tem o Japão como cenário. 

Mesclando os diários de viagem do famoso haicaísta Matsuo Bashô com a melancolia vivida por dois brasileiros – Haruki e Celina –, Rakushisha procura pensar o estrangeiro a partir de uma linguagem poética. A narrativa tem como fio condutor a fratura interna dos dois personagens centrais: Haruki, um desenhista que se vê obrigado a visitar o país pelo qual nunca se interessou, mas a que sempre esteve ligado por ser descendente direto de uma família japonesa radicada no Brasil, e, do outro lado, Celina, uma mulher enigmática e introspectiva que está tendo dificuldades para acertar as contas com o passado, e que de repente aceita o convite de um desconhecido para ir para o Japão.

Conto – “O coelho sem pelos de Inaba”, um mito japonês tradicional

O Deus-das-Grandes-Terras tinha muitos irmãos por parte de pai e todos eles resolveram ceder o comando de suas respectivas terras para ele. Essa atitude tinha uma motivação muito forte…

Na verdade, os irmãos pretendiam casar com Yagami, a Princesa-das-Regiões-Prósperas, que morava em Inaba, um local muito distante. Quando se dirigiam em comitiva para lá, obrigaram o Deus-das-Grandes-Terras a carregar sozinho todas as provisões e bagagens.

Assim que os irmãos chegaram ao cabo de Keta, já na região de Inaba, encontraram um coelho completamente sem pelos estirado no chão. Os deuses deram o seguinte conselho a ele:

– Tome um banho de mar e, em seguida, suba até o cume da montanha mais alta. Ao chegar lá, deite-se no chão e deixe que o vento toque seu corpo.

O coelho seguiu todas as recomendações, com a esperança de recuperar seu pelo. Só que, conforme a água do mar evaporava e o corpo dele era tocado pelo vento, a pele rachava. As rachaduras provocavam uma dor tão intensa que o coelho, desesperado, se pôs a chorar.

O Deus-das-Grandes-Terras, que, exausto pelo peso que carregava, caminhava distante dos outros e não vira o que se passara, ao avistar o coelho perguntou:

– Coelhinho, por que você chora?

O coelho respondeu entre lágrimas:

– Eu estava na ilha de Oki e queria muito chegar até aqui, mas não conseguia. Então, resolvi enganar um tubarão e lhe propus uma disputa: “Vamos fazer uma aposta? Qual espécie você acha que é a mais numerosa, a minha ou a sua? Traga todos os da sua espécie e os enfileire desta ilha até o cabo de Keta. Eu saltarei por cima de vocês para contá-los e, assim, ao final, saberemos se há mais tubarões ou coelhos”. Consegui enganar o tubarão! Enquanto os contava, ia atravessando o oceano. Quando estava prestes a chegar desta lado, gritei: “Ei, seus tubarões bobões! Peguei vocês!”. Mal consegui pronunciar a frase e o último da fila me agarrou e arrancou minha pele! Estava eu chorando, lamentando o ocorrido, quando os deuses que acabaram de passar me aconselharam a tomar um banho de mar e ficar deitado aqui em cima até que o vento me secasse. Segui todas as recomendações, mas agora meu corpo está cheio de feridas! – lamentou o coelho.

Após ouvir o relato, o Deus-das-Grandes-Terras, mostrando sabedoria para ajudar os enfermos e conhecimento em plantas medicinais, aconselhou:

– Vá rapidamente a um estuário e tome um banho de água fresca. Em seguida, retire o pólen das flores de taboa, que nascem em abundância por aqui, espalhe-o no chão e role sobre ele Assim você voltará a ter pelos.

Ao seguir os conselho do Deus-das-Grandes-Terras, o corpo do coelho voltou a ser como antes e, assim, ele se popularizou como o Coelho Branco de Inaba. Ainda hoje, é conhecido como Deus-Coelho. Em agradecimento, o coelho profetizou:

– Nenhum dos irmãos do Deus-das-Grandes-Terras desposará a Princesa-das-Regiões-Prósperas. Embora hoje ele carrega a bagagem deles, num gesto humilde e subalterno, certamente é esse Deus que a desposará.

Foi então que o Deus-das-Grandes-Terras ficou conhecido como Oonamudi-no-Kami, o Digno-Deus-das-Terras.


Está é uma das narrativas que fazem parte do ciclo de histórias sobre o Ookuni Nushi no Kami – ou Deus das Grandes Terras –, uma divindade da mitologia japonesa. O texto que reproduzimos aqui está presente no livro A origem do Japão: Mitologia da Era dos Deuses, escrito por Nana Yoshida e Lica Hashimoto, publicado pela antiga Editora Cosac Naify.

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