Dois poemas de William Butler Yeats

Texto e traduções por Marina Naves

Para falar de William Butler Yeats (1965-1939), eternizado na Literatura (irlandesa e mundial), vale começar dizendo que veio à luz em Dublin, no fim do século XIX. O poeta é considerado um dos grandes modernistas da língua inglesa. Contudo, seus primeiros versos foram fortemente influenciados por ares românticos e místicos, com influência de Shelley e quês pré-rafaelitas. Um bom exemplo disto é a sua coletânea de contos, The Celtic Twilight.

Amadurecendo, e bebendo de uma fonte chamada “renascença celta” (ou gaélica, ou irlandesa — pouco se fazia distinção naquela época), Yeats deparou-se com os conflitos por independência, e com a questão do nacionalismo, em meio ao turbilhão da Grande Guerra. Nesse contexto se configura o poema An Irish Airman Foresees His Death, cuja tradução está adiante, que traz o topos de quem luta por aqueles que não se tem estima, por uma pátria que não é a sua: realidade de muitos irlandeses que morreram em batalhões ingleses. A escolha da tradução foi manter o tom mais sóbrio, talvez solene, que remetesse ao luto que perpassa a atmosfera do poema.

Ainda em clima de guerra, falemos de gregos e troianos, do poema No Second Troy, também traduzido para esta publicação. Maud Gonne, grande amor do poeta — sua Helena, talvez — rejeita-o para casar-se, em 1903, com John MacBride. Maud Gonne era uma revolucionária, uma rebelde, e talvez por isso tenha sido retratada com tanto efervescência como alguém que ensina brigas e é cruel.  Optei por traduzir este poema com ares rancorosos, de certa forma, para tentar expressar o coração irado de um homem com orgulho ferido. Por isso palavras como “desgraça”, “homens broncos”, “ruazinhas”, “fel”.

Abaixo, deixo os dois poemas de Yeats, para o seu deleite. Aproveite!


UM AVIADOR IRLANDÊS PREVÊ SUA MORTE

(An Irish Airman Foresees His Death)

Eu sei que acharei o meu destino
Onde que entre nuvens acima;
Os que enfrento não desatino
Os que guardo não tenho estima;
Kiltartan Cross é minha pátria 
Seus miseráveis o meu povo,
Final algum dor lhes traria,
Ou mesmo alegria de novo.
Dever nem lei me fez lutar,
Nem louvor ou públicos homens, 
Um só rompante a deleitar
Trouxe-me aos tumultos nas nuvens; 
Eu pesei tudo, trouxe à mente,
Anos a vir me eram ar nulo,
Anos passados, ar ausente;
Em acordo co'a vida, o luto.

I know that I shall meet my fate
Somewhere among the clouds above;
Those that I fight I do not hate,
Those that I guard I do not love;
My country is Kiltartan Cross,
My countrymen Kiltartan’s poor,
No likely end could bring them loss
Or leave them happier than before.
Nor law, nor duty bade me fight,
Nor public men, nor cheering crowds,
A lonely impulse of delight
Drove to this tumult in the clouds;
I balanced all, brought all to mind,
The years to come seemed waste of breath,
A waste of breath the years behind
In balance with this life, this death

NENHUMA TROIA MAIS

(No Second Troy)

Por que culpá-la se na minha vida 
pôs desgraça, ou que ela iria ensinar,
depois, aos homens broncos muitas brigas,
forçar ruazinhas ao bulevar,
se tivessem coragem igual à ânsia?
O que lhe teria feito manso o espírito
quando a honra lhe fez simples tal flama?
Co’a beleza de arco apertado, tipo
que não é normal para essa idade,
sendo alta, singular e tão cruel?
Que teria feito, em sua identidade?
Havia outra Troia para arder seu fel?

Why should I blame her that she filled my days
With misery, or that she would of late
Have taught to ignorant men most violent ways,
Or hurled the little streets upon the great,
Had they but courage equal to desire?
What could have made her peaceful with a mind
That nobleness made simple as a fire,
With beauty like a tightened bow, a kind
That is not natural in an age like this,
Being high and solitary and most stern?
Why, what could she have done, being what she is?
Was there another Troy for her to burn?

“Eu não sei. Acho que viajo muito.” – Entrevista e poemas de Marina Naves

Conversamos hoje com a poeta Marina Naves, que está em vias de lançar seu primeiro livro de poemas, Voyager (editora Escaleras). Marina (21), é poeta, tradutora e pesquisadora. Seu caminho na poesia começou ainda na infância, quando passou a se interessar pelos poemas do seu avô, João Naves de Melo. Cecília Meireles também foi de grande importância para o seu despertar literário. Na adolescência, com a leitura de poetas ultrarromânticos, Marina começou a criar gosto pela rima e pela métrica. Já na Universidade Federal de Minas Gerais, onde se formou bacharela em Estudos Literários, a autora conheceu suas duas grandes inspirações: o irlandês W. B. Yeats e a portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. Atualmente, Marina estuda e desenvolve pesquisa nas áreas de Literatura Portuguesa, Intertextualidade e Recepção dos Clássicos.

Isadora – Marina, obrigada por conversar com a gente hoje! Vamos começar com a criação: como é seu processo criativo? E como nasceu o Voyager?

Marina – O prazer em ter essa conversa é todo meu, Isadora! Sobre o meu processo criativo, gosto de dizer que tenho apreço em construir versos e estrofes a partir de imagens que me aparecem (às vezes claras, às vezes mais obscuras). A intertextualidade com outros autores também me ajuda bastante a me destravar de qualquer bloqueio criativo em que eu possa me encontrar em algum momento! Assim, posso partir para a segunda pergunta: Voyager nasceu do propósito de fazer uma espécie de “diário de viagens” que narrasse as jornadas que já fiz para diversos lugares. Mas, claro, tal conceito foi mudando e tornando-se mais abstrato, dando espaço para viagens mais estáticas e conceituais – que não nos tiram do lugar físico em que nos encontramos, mas que nos levam a pensar e conhecer novos horizontes.

Isadora – Muitos dos seus poemas trazem referências da cultura clássica, por meio de menções a personagens e mitos, por exemplo. Como você enxerga a sua relação com essa tradição e de que maneira seus poemas dialogam com ela?

Marina – Minha relação com os mitos clássicos é bem forte por diversos motivos. O primeiro deles, talvez, seja puro gosto. Tenho imensa curiosidade e afeição pela cultura greco-romana, o que até me levou a pesquisá-la com mais afinco enquanto estudante de Letras. Um segundo motivo para construir diálogos com a tradição em meus poemas, seria o fato de que eu acredito fortemente que os clássicos são inesgotáveis em tema e em forma. Podemos aproveitá-los para tratar de quase qualquer assunto. Os mitos gregos, por exemplo, até hoje podem ser abordados com temáticas reavivadas. Assim, eu diria que o arcabouço criativo que a tradição nos dispõe é algo tão valioso que não pode ser ignorado.

Isadora – Outro ponto que me chamou muita atenção na leitura de Voyager foi a presença marcante de alguns lugares que inspiram vários dos poemas do livro, como Montes Claros, Curitiba e Dublin, por exemplo. Como foi a escolha desses locais? O que são esses lugares para você?

Marina – Esses lugares foram escolhidos e receberam tanto destaque por causa de uma grande memória afetiva que tenho por eles: por exemplo, morei anos em Montes Claros, sonhei desde a infância em visitar a Irlanda… as imagens, ou lembranças, que eu tinha deles eram fortes e vívidas, então pensei em começar a escrita bruta do livro por esses lugares.

Isadora – E quanto à ordem dos poemas? Como foi essa curadoria?

Marina – A ordem dos poemas foi pensada para seguir uma trilha. A intenção é dar ao leitor a sensação de que está fazendo uma viagem dentro do próprio livro, seguindo pelo mundo greco-romano, depois por um ambiente de verão, depois pelo rio São Francisco e por aí vai. Tive também a ideia de fazer com que o livro terminasse num tom cíclico, como se a viagem pela vida não acabasse senão na morte.

Isadora – Obrigada, Marina! Gostaria de acrescentar alguma mensagem para os leitores de Voyager?

Marina – Eu que agradeço, Isadora! Acho que gostaria de falar mais algumas coisinhas sobre Voyager. Este pequeno livro de poemas trata de várias questões ligadas ao mundo das viagens (sejam estas introspectivas – ocorrendo no âmago de quem narra –, metalinguísticas – passando pela própria linguagem – ou concretas – ou seja, que ocorreram de fato). Os poemas selecionados para compor esta obra são reflexo de lembranças de viagens passadas, desejos de viagens vindouras e elucubrações que são, antes de tudo, viagens dentro da própria alma e da própria mente. Os poemas mais empíricos não deixam de trazer temas mais amplos, mesmo que tratando de eventos vividos por mim: tudo é construído tendo como base sensações e impressões.


Com vocês, três poemas de Voyager, por Marina Naves.

Dublin, 2014

“Dublin made me and no little town
with the country closing in on its streets”
(Donagh MacDonagh)

Por muitos anos sonhei conhecer-te,
ver em tuas vias fadas voarem…
sentir teu ar encantado e ancestral
invadir-me os poros, narinas virgens.

Mas tudo foi diferente. Contigo
aprendi algo do futuro também.
Nas tuas estradas de alvos casebres
caminhavam juntos cabras e carros.

Leprechauns escondidos em Dame Street
ouvem Brigid em igrejas cristãs;
eu também ouço, e ouço mais: Oisin

tocando sua harpa em Saint Stephen’s Green.
Há tradições nestas ruas — ocultas —
que não perecem com o andar dos anos.

Lua

Alvo corpo de Ártemis destemida,
minhas mãos buscam tua branca pedra.
Que minhas cinzas sejam em ti, vida —
expostas como as mentiras de Fedra.

Com um vestido pesado e robusto
(que me seja leve como o universo
— tão macio como o materno busto)
Quero visitar-te em sonhos imerso.

Em uma feliz cadeira de praia
quero descansar sobre tua carne,
observando a doce dança de Gaia.

Que teu irmão, Febo Apolo, não me encare;
que sua flecha-luz em mim não caia,
pois só no escuro brilha tua face.

Via-Láctea

“Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e de entender estrelas”
(Olavo Bilac)

O som das letrinhas dessa palavra
me lembra o amor: é leite na tigela
com cereal — e o cereal tem a cor
dos cabelinhos amarelos dela.

Ou pelo menos era isso que eu achava
quando tinha uns sete anos. Hoje apenas
me intrigam as estrelas; tão pesadas
mas tão macias — leves como penas.

Pensando bem, igualmente intrigantes
são as flores. Tão cedo nascem e
logo morrem. O que é melhor então

prometer a galáxia fria e eterna
ou as rubras rosas quentes e perenes?
Eu não sei. Acho que viajo muito.
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