Recentemente uma colega da Faculdade de Letras perguntou quais eram os livros que eu julgava os mais importantes para começar a construir uma biblioteca de teatro. Por esse motivo, montei uma pequena lista para ela, da qual destaquei 5 LIVROS DE TEATRO IMPERDÍVEIS que, na minha opinião, todo mundo precisa conhecer e ter em sua biblioteca particular de dramaturgias.
É claro que essas listas são sempre perigosas e incompletas, e costumam dizer mais sobre quem as fez do que propriamente do tema em si (seja teatro ou qualquer outro). Então, queria deixar claro o critério que usei para escolher os livros. Quando fui montar a lista, tentei escolher peças que costumam aparecer em disciplinas e cursos sobre teatro, que foram dados ou frequentados por mim ao longo da minha formação. O resultado obviamente não dá conta da diversidade do universo teatral, mas pode ser uma boa porta de entrada para quem quer começar a ler e estudar teatro.
Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona Hamlet: o príncipe da Dinamarca Esperando Godot Vestido de Noiva Auto da Compadecida
A lista que enviei para minha colega continha mais do que essas cinco obras que listei acima. Então vou disponibilizá-la aqui, para o caso de alguém se interessar pela lista completa.
To those first feelings that were born with me, And leaving busy chase of wealth and learning For idle dreams of things which cannot be:
Today, I will seek not the shadowy region; Its unsustaining vastness waxes drear; And visions rising, legion after legion, Bring the unreal world too strangely near.
I’ll walk, but not in old heroic traces, And not in paths of high morality, And not among the half-distinguished faces, The clouded forms of long-past history.
I’ll walk where my own nature would be leading: It vexes me to choose another guide: Where the grey flocks in ferny glens are feeding; Where the wild wind blows on the mountain side.
What have those lonely mountains worth revealing? More glory and more grief than I can tell: The earth that wakes one human heart to feeling Can centre both the worlds of Heaven and Hell.
Estâncias
Já me reprovaram e volto sempre
Aos primeiros sentimentos que nasceram comigo;
Deixo de correr atrás do ouro e do conhecimento,
Para sonhar apenas com maravilhas impossíveis.
Mas hoje,
Não descerei mais ao império das sombras;
Tenho medo da sua frágil e decepcionante imensidão,
E meu sonho, povoado com legiões inumeráveis,
Torna este mundo sem forma estranhamento próximo.
Caminharei,
E ficarão para trás as antigas veredas do heroísmo,
E os caminhos já exaustos da moralidade,
E o imprevisto aglomerado de faces obscuras,
Ídolos em bruma de um passado já longínquo.
Caminharei,
Onde só agradar à minha alma caminhar,
(Não posso suportar a escolha de outro guia)
Onde os rebanhos se acinzentam no verde das campinas,
Onde o vento alucinado vergasta o flanco das montanhas.
Que pode revelar a montanha solitária?
Nada exprime sua glória e sua dor.
Minha alma dormia, quando a terra despertou,
E o círculo do Céu ao círculo do Inferno
Confundindo-se, à terra deram nascimento.
Tradução de Lúcio Cardoso.
O vento da noite (Edição bilíngue)
“Stanzas” é um dos 33 poemas reunidos em O Vento da Noite, de Emily Brontë, e foi um dos poemas do livro que mais me marcaram durante a leitura (que ainda não terminei, pois sem pressa).
Entre os tantos motivos mais ou menos obscuros por que um poema nos marca, acho que esse me capturou por sugerir, indiretamente e por uma via pessoal, o tema da própria criação literária, que me interessa muito, por mostrar um eu lírico muito autêntico, que me fascina quando diz: I’ll walk where my own nature would be leading:/ it vexes me to choose another guide, e por dialogar com imagens e questões da obra de John Milton, que estive lendo nos últimos meses e na qual continuo pensando. Mas provavelmente são os motivos obscuros os que me levaram a voltar e reler o poema algumas tantas vezes.
Confesso que a tradução livre de Lúcio Cardoso não me conquistou, mas fiquei encantada pelos poemas na língua original, e por isso escolhi comprar a edição da Civilização Brasileira, que é bilíngue, ao invés da edição esteticamente mais atraente mas que não é bilíngue da José Olympio.
No geral, os poemas são muito melódicos e rítmicos: quando não pedem para ser cantados, ao menos exigem uma leitura em voz alta, para sentir e saborear a vibração dos sons na língua e nos dentes. Também trazem uma riqueza de aliterações e rimas interessante, e embora sejam um pouco monotemáticos – alguns parecem variações do mesmo exercício –, estão muito bem escritos e produzem a sensação de um livro coeso, com as perspectivas de um eu lírico romântico e selvagem que muitas vezes me lembra o estilo de Cathy, protagonista de O Morro dos Ventos Uivantes (obra que deu fama a Emily Brontë) – e nem que fosse só por isso, já valeria a leitura.
Além de caminhar com O vento da noite, também estou relendo O morro dos ventos uivantes. E, com o objetivo de compartilhar algumas das minhas impressões sobre a leitura, fiz um vídeo a respeito da primeira parte do livro, que está disponível no canal do Duras Letras no Youtube.
Desde que entrei na Faculdade de Letras da UFMG e tomei conhecimento do Acervo de Escritores Mineiros (AEM), criei um caso antigo com alguns dos autores e autoras que estão naquela casa. O espaço, uma mistura de museu, biblioteca, galeria de arte e arquivo, ficava àquele tempo na Biblioteca Central da universidade, sendo aberto para visitações do público em geral. Em um dos passeios que fiz lá, conheci Henriqueta Lisboa.
Melhor dizendo: aprendi seu nome, pois levaria uns anos para entrar em contato com a obra que a escritora produziu. Lembro-me agora de que chamou minha atenção àquela época o fato de ser um dos maiores acervos do AEM: com livros, cartas, objetos, mobília etc., tudo da autora. Também fiquei encantado com o fato de um dos meus professores, Reinaldo Marques, estar então organizando a publicação da obra completa de Henriqueta Lisboa, o que colocava toda aquela pilha de papeis em um formato condensado e mais acessível, que podia levar para casa.
Henriqueta Lisboa. Reprodução Arquivo AEM.
Isso tudo foi em 2016… Mas só agora, ao fim de 2023, adquiri a obra reunida da autora.
Trata-se de uma box, organizada em três volumes e publicada pela Editora Peirópolis. Tendo saído da esfera do privado para o público, quando o acervo chegou à UFMG, agora, com a organização de Reinaldo Marques e Wander Melo, a obra de Henriqueta faz o caminho contrário e volta, do público para o privado.
É com a intenção de entrar nessa equação, que não só gravei um vídeo sobre a obra completa de Henriqueta Lisboa, comentando dois de seus textos, como também compartilho aqui no Duras Letras três poemas da autora.
Serenidade
Serenidade. Encantamento. A alma é um parque sob o luar. Passa de leve a onda do vento, fica a ilusão no seu lugar.
Vem feito flor o pensamento, como quem vem para sonhar. Gotas de orvalho. Sentimento. Névoas tenuíssimas no olhar.
Tombam as horas, lento e lento, como quem não nos quer deixar. Êxtase. Vésperas. Advento.
Ouve! O silêncio vai falar! Mas não falou…Foi-se o momento… E não me canso de esperar”.
Convite
Eu sou amiga dos que sofrem.
Aproxima-te do meu coração, Amado. Amado, conta-me teus segredos. Onde nasceu a tristeza que nos teus olhos mora, que causa tem a palidez que unge teus lábios e esse tremor que tuas mãos comunicam às minhas?
Por que não vens, à hora confidencial do crepúsculo sobre o banco de pedra esquecido entre as árvores, junto à fonte chorosa e os afagos do vento perfumado de flores, derramar no meu coração as palavras reveladoras que me fariam participar da tua amargura, do teu desespero, ou simplesmente do teu cansaço de viver?…
Quando desfalecesse a tua voz em sussurro e o luar surgisse acariciando o céu em penumbra, talvez, Amado, talvez sorrisses, vendo aflorar nos meus olhos noturnos a lua pequenina da lágrima.
Prisioneira da noite
Eu sou a prisioneira da noite. A noite envolveu-me nos seus liames, nos seus musgos, as Pelas atiraram-me poeira nas pestanas, s dedos do luar partiram-me os fios do pensamento, os ventos marinhos fecharam-se ao redor de minha cintura.
Quero os caminhos da madrugada e estou presa, quero fugir aos braços da noite e estou perdida. Onde fica a distância? Dizei-me, ó Peregrinos, K e. fica a distância da qual me chegam misteriosos apelos? Alguém me espera, alguém me esperará para sempre, porque sou a prisioneira da noite.
A noite me adormenta com suas flautas esflorando veludos de pêssego, a noite me enerva com suas grandes corolas desmaiadas nos caules, vejo madressilvas com os pequenos dentes de pérola sorrindo enlaçadas aos troncos fortes, e o frio da noite é um desejo de faces aconchegadas, e há tepidez nas grotas verde-negras, tão próximas…
Oh forças para caminhar! Forças para vencer o inebriamento da noite, forças para desprender-me da areia que canta sob meus pés como cordas de violino, forcas para pisar a relva macia e tenra com suas gotas de sereno, forças para desvencilhar-me dos afagos numerosos do vento!
Na noite não posso ficar como uma rosa pendida porque o homem solitário viria tomar-me pela mão imaginando que sou a que procura amor.
Na noite não ficarei com a túnica esvoaçante e os cabelos em desordem, porque uma criança poderia pensar que sou a louca sem pouso, na noite não, porque a velhinha trêmula viria perguntar-me se acaso sou a sua filha desaparecida.
Oh! Quem me ensina os caminhos da madrugada? Por que não se acendem agora, sim, agora, os candelabros das igrejas? Por que não se iluminam as casa onde há noivas felizes? Por que de tantas estrelas no céu ao menos uma não se desprende para vir pousar no meu ombro como um sinal de esperança?
Tenho um encontro marcado há longo, longo tempo…
Mas não chegarei porque sou a prisioneira da noite.