Ah, o Amor! Um dos temas mais explorados pela literatura e pelas outras artes – que vem nos acompanhando desde os tempos mais antigos, não deixando de alcançar também as inventivas ficções futuristas – sem jamais esgotar-se, contudo. No post de hoje, dedicado ao Dia dos Namorados, nós do Duras Letras separamos cinco poemas que trabalham o Amor, lhe dando cara e cabelo, nome e brilho, voz e silêncio. A seleção é composta apenas por poetas brasileiras e brasileiros, alguns do século XIX, outros do século XX. E sabemos, é claro, que muitas joias preciosas poderiam ter entrado nessa lista, sendo ela, como qualquer outra, incapaz de dar conta de uma temática tão vasta ou mesmo de apreender toda a chama do Amor, que devora os corações. De qualquer modo, esperamos que os poemas abaixo, se não servirem de chama, pelo menos despertem uma fagulha.
Poema sem título, de Álvares de Azevedo (1831-1852)
Pálida à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar, na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d'alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era a mais bela! Seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando, Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Poema Os cisnes, de Júlio Salusse (1878-1948)
A vida, manso lago azul algumas vezes, algumas vezes mar fremente, tem sido para nós constantemente um lago azul sem ondas, sem espumas. Sobre ele, quando, desfazendo as brumas matinais, rompe um sol vermelho e quente, nós dois vagamos indolentemente, como dois cisnes de alvacentas plumas. Um dia um cisne morrerá, por certo: quando chegar esse momento incerto, no lago, onde talvez a água se tisne, que o cisne vivo, cheio de saudade, nunca mais cante, nem sozinho nade, nem nade nunca ao lado de outro cisne!
Poema V, de Hilda Hilst (1930-2004)
Aos amantes é lícito a voz desvanecida. Quando acordares, um só murmúrio sobre o teu ouvido: Ama-me. Alguém dentro de mim dirá: não é tempo, senhora, Recolhe tuas papoulas, teus narcisos. Não vês Que sobre o muro dos mortos a garganta do mundo Ronda escurecida? Não é tempo, senhora. Ave, moinho e vento Num vórtice de sombra. Podes cantar de amor Quando tudo anoitece? Antes lamenta Essa teia de seda que a garganta tece. Ama-me. Desvaneço e suplico. Aos amantes é lícito Vertigens e pedidos. E é tão grande a minha fome Tão intenso meu canto, tão flamante meu preclaro tecido Que o mundo inteiro, amor, há de cantar comigo.
Poema Eros II, de Orides Fontela (1940-1998)
O amor não vê o amor não ouve o amor não age o amor não.
Poema Escritura, de Armando Freitas Filho (1940- )
No escuro eu não apuro o que de você existe entrelaçado neste muro: no escuro o que procuro é a cruz do seu corpo, a cicatriz, o punho, a palma no instante da abertura, o espaço tão vazio onde situo, a perda, a rutura, a veia degolada, e gota a gota o inútil rumo do meu sangue: – um derrame de ramos feito de sussurros – e esta ferida que não cessa, e que tanto me custa descrevê-la, e quanto mais eu grito, mais ela fura: – sanha, descostura de mim, – amor, eu sangro aqui, sob a lâmina da sua fala, assim, punhal, palavra que não seguro e se enterra até o fundo, até o cabo, em toda a treva, e na esplanada de areia da memória o que escrevo é somente um risco, um corte que a lembrança recorda, ou este acorde que suas garras tocam.