Segundo a tradição, Lucrécia teria sido uma nobre dama romana da Antiguidade que foi estuprada e, não vendo outra saída para sua dor e humilhação, teria recorrido ao que previa a lei da época, incorrendo tragicamente em suicídio, por meio de um punhal, e tendo seu corpo é levado a público.
O fato teria causado tamanha comoção popular que as manifestações gerais conduziram a uma revolução que culminou na ruína do regime monárquico da Roma Antiga e na expulsão de seu último rei, Lúcio Tarquínio Soberbo (século VI a.C.), pai do estuprador de Lucrécia, Sexto Tarquínio, instaurando em seu lugar a República Romana.
Tal mito foi recontado e recriado por numerosos autores, entre eles Ovídio, Maquiavel, Dante Alighieri e Shakespeare. O último, em seu poema narrativo “The Rape of Lucretia”, escreve:
“At last she calls to mind where hangs a piece
Of skilful painting, made for Priam’s Troy:
Before the which is drawn the power of Greece.
For Helen’s rape the city to destroy,
Threatening cloud-kissing Ilion with annoy;
Which the conceited painter drew so proud,
As heaven, it seem’d, to kiss the turrets bow’d.”
Nesse poema, traduzido com o título de “O Rapto de Lucrécia” (rapto tendo a si a conotação da origem latina rapere, isto é, abdução ou violência sexual), sobressaem talvez as primeiras nuances psicológicas da protagonista, que até então não eram exploradas, uma vez que, ao ser estuprada, Lucrécia era considerada promíscua pela cultura da época, fazendo que o mito fosse uma exaltação da castidade.
É só a partir do século XVI, no entanto, que a figura de Lucrécia passa a ser representada de uma maneira não-casta. Ocorre, na realidade, uma inversão, e a sua imagem passa a ser figurada de modo a destacar uma sensualidade que algumas vezes aparece mesmo exacerbada.
Susan Vreeland, autora do livro A paixão de Artemísia, também toma parte na história da nobre romana, lançando-a sob nova luz por meio de sua protagonista, Artemísia Gentileschi.
Artemísia, sendo pintora e mulher, ao ser incumbida do desafio de fazer uma pintura sobre a história, escolhe retratá-la sob outra perspectiva: a da dúvida – do momento crucial em que Lucrécia decide sobre o que fazer frente a sua situação, o momento em que decide, enfim, se deve ou não tirar a própria vida.
Tal a importância do momento da escolha que, acima até mesmo da própria morte e do próprio estupro, ele se torna aquele que caracterizaria a dimensão do peso do dilema entre a força e o sofrimento que estavam em questão no desfecho de Lucrécia.
Assim, seu mito ressoou por séculos pelas visões de diversos escritores e pintores, cada um deles deixando sua própria marca e seu olhar no legado dessa terrível tragédia que, até hoje, se reflete no dilema feminino frente a essa situação.
Ficam em aberto, e sem que haja necessidade de serem respondidas, as questões que pairam ao redor do seu suicídio: teria Lucrécia tido mesmo uma escolha? Haveria para ela outra saída que não a própria morte?
Este post tem 2 comentários
Não tinha visto a história de Lucrecia por está perspectiva antes. Mas confesso que comecei a me interessar recentemente devido ao nome, e por motivos pessoais. Confesso que prefiro apenas a terminologia do nome em latim : “A afortunada”.
a historia da lucrécia foi muito legal