Sobre presenças, ausências e a polêmica literária da vez

Nos últimos dias tem se discutido bastante sobre presenças e ausências, na polêmica literária da vez. Para quem não sabe do que estamos falando, recentemente a FUVEST divulgou uma lista com aquelas que serão as autoras lidas no seu vestibular do próximo triênio (2026-2028). Dizemos aqui “autoras” porque a lista é composta só por mulheres (a maioria delas já muito consagrada no meio literário), o que gerou um mal estar entre acadêmicos, que escreveram uma carta contra a fundação que organiza a prova, pedindo a mudança da lista.

Não estamos de acordo com a posição defendida pelos autores da carta, que aliás está assinada por nomes importantíssimos para os estudos de literatura no Brasil. Por isso, como não houve abaixo-assinado de acadêmicos contra as listas anteriores da FUVEST, decidimos deixar alguns pontos em que viemos pensando, para contribuir com o debate:

1

Antes de qualquer coisa, é importante dar um google nas listas anteriores… Elas falam por si sós. (Deixamos no carrossel abaixo algumas das mais recentes. Apenas observem.)

Lista de 2016
Lista de 2017
Lista de 2020
Lista de 2021
Lista de 2022


Os dados podem ser sintetizados da seguinte forma: 2016 e 2017 (nenhuma autora); 2020, 2021 e 2022 (entra Helena Morley, em 2018, e em 2021, Cecília Meireles, apenas). Note-se a ausência absoluta de autoras não brancas antes de 2026. As quatro imagens finais são as novas listas (de 2026, 2027, 2028 e 2029).

2

Uma lista composta apenas por autoras não é uma lista de literatura precária. Estamos falando de grandes nomes da literatura de língua portuguesa, que com frequência ganham menos destaque na historiografia literária que seus pares do sexo masculino. Não dá para comparar a projeção (de mercado e de estudos) entre a literatura escrita por homens e a escrita por mulheres: segundo a pesquisa de Regina Dalcastagnè, no Brasil, 72,7% dos autores são homens, 93,9% brancos.

3

Vale a pena dar uma olhada na composição das listas de 2026 a 2028. São autoras como Rachel de Queiroz, Sophia de Mello Breyner Andersen, Lygia Fagundes Telles, Conceição Evaristo e Clarice Lispector, por exemplo, além de outras de menor projeção. Ou seja: não estamos falando de estreantes, mas de nomes consagrados e de muito prestígio no meio literário.

4

Trazer uma lista de autoras, incluindo autoras negras, também significa trazer perspectivas diversas das que vêm sendo trazidas até aqui para o debate. Não é apenas reparação histórica ou representatividade, mas abertura para olhares e pontos de vista distintos no universo da literatura.

5

Em tempo, parece preciso dizer: o fato de existir num livro uma grande personagem (Medeia, Antígona, Julieta, Hedda Gabler, Anna Karenina ou Capitu) não faz do autor do livro uma mulher. Por isso, não traz a perspectiva feminina, destacada no tópico anterior. Outra coisa, ser ou não feminista também não resolve, ainda que seja, claro, um ponto positivo. (Ou seja, o apelo a Machado e Capitu não dá conta das ausências no quadro geral).

6

De qualquer forma, Machado estará de volta à lista já em 2029, junto com Érico Veríssimo e Luís Bernardo Honwana, além das autoras que ainda estiverem na composição do triênio. E nesse meio tempo, podem estar tranquilos, os grandes nomes do cânone não deixarão de ser lidos nos muitos outros espaços em que continuam sendo regra.

Aliás, serão só três anos das tais listas apenas com autoras. Quantos foram os anos com duas, uma ou nenhuma mulher na lista? A pergunta não é retórica: tentamos calcular e não conseguimos, já que são muitos.

7

É sintomático que uma lista só de autoras cause tanto rebuliço, quando a maior parte das disciplinas da graduação em Letras (sem falar na estilística do Ensino Médio) é composta quase exclusivamente por autores homens (à exceção, claro, de Clarice, que aparece como menção honrosa ao gênero, para não dizer que não falamos das flores).

Por que essas listas incomodam tanto?

Sabemos: vão falar da literatura em perigo, da sociologização da literatura, da literatura como documento, da importância irrevogável de determinados nomes (tão seguramente indispensáveis quanto dispensáveis os das autoras até então ausentes), ou da militância errática, da injustiça com os autores (que de nada têm culpa), dos meios inadequados de buscar reparação, da perda do valor da literatura em si mesma, da pouca importância do gênero e da cor de quem escreveu (pois “o que importa é a qualidade”), dos ressentimentos (Harold Bloom mandou lembranças), etc etc etc.

Mas tudo isso está aí há muito tempo: a literatura está “em perigo” desde que nasceu. E tem se mantido pelo desejo de quem a ama. Por isso, repetimos a pergunta: por que tanto incômodo?

Às vezes, é preciso sustentar o mal-estar para continuar caminhando. 

A passos lentos, mas firmes, caminhamos. Avante.

“Stanzas”, de Emily Brontë

Stanzas


Often rebuked, yet always back returning

To those first feelings that were born with me,
And leaving busy chase of wealth and learning
For idle dreams of things which cannot be:

Today, I will seek not the shadowy region;
Its unsustaining vastness waxes drear;
And visions rising, legion after legion,
Bring the unreal world too strangely near.

I’ll walk, but not in old heroic traces,
And not in paths of high morality,
And not among the half-distinguished faces,
The clouded forms of long-past history.

I’ll walk where my own nature would be leading:
It vexes me to choose another guide:
Where the grey flocks in ferny glens are feeding;
Where the wild wind blows on the mountain side.

What have those lonely mountains worth revealing?
More glory and more grief than I can tell:
The earth that wakes one human heart to feeling
Can centre both the worlds of Heaven and Hell.

Estâncias

Já me reprovaram e volto sempre
Aos primeiros sentimentos que nasceram comigo;
Deixo de correr atrás do ouro e do conhecimento,
Para sonhar apenas com maravilhas impossíveis.

Mas hoje,
Não descerei mais ao império das sombras;
Tenho medo da sua frágil e decepcionante imensidão,
E meu sonho, povoado com legiões inumeráveis,
Torna este mundo sem forma estranhamento próximo.

Caminharei, 
E ficarão para trás as antigas veredas do heroísmo,
E os caminhos já exaustos da moralidade,
E o imprevisto aglomerado de faces obscuras,
Ídolos em bruma de um passado já longínquo. 

Caminharei,
Onde só agradar à minha alma caminhar,
(Não posso suportar a escolha de outro guia)
Onde os rebanhos se acinzentam no verde das campinas,
Onde o vento alucinado vergasta o flanco das montanhas.

Que pode revelar a montanha solitária?
Nada exprime sua glória e sua dor.
Minha alma dormia, quando a terra despertou,
E o círculo do Céu ao círculo do Inferno

Confundindo-se, à terra deram nascimento.

Tradução de Lúcio Cardoso.

O vento da noite (Edição bilíngue)

“Stanzas” é um dos 33 poemas reunidos em O Vento da Noite, de Emily Brontë, e foi um dos poemas do livro que mais me marcaram durante a leitura (que ainda não terminei, pois sem pressa).

Entre os tantos motivos mais ou menos obscuros por que um poema nos marca, acho que esse me capturou por sugerir, indiretamente e por uma via pessoal, o tema da própria criação literária, que me interessa muito, por mostrar um eu lírico muito autêntico, que me fascina quando diz: I’ll walk where my own nature would be leading:/ it vexes me to choose another guide, e por dialogar com imagens e questões da obra de John Milton, que estive lendo nos últimos meses e na qual continuo pensando. Mas provavelmente são os motivos obscuros os que me levaram a voltar e reler o poema algumas tantas vezes.

Confesso que a tradução livre de Lúcio Cardoso não me conquistou, mas fiquei encantada pelos poemas na língua original, e por isso escolhi comprar a edição da Civilização Brasileira, que é bilíngue, ao invés da edição esteticamente mais atraente mas que não é bilíngue da José Olympio.

No geral, os poemas são muito melódicos e rítmicos: quando não pedem para ser cantados, ao menos exigem uma leitura em voz alta, para sentir e saborear a vibração dos sons na língua e nos dentes. Também trazem uma riqueza de aliterações e rimas interessante, e embora sejam um pouco monotemáticos – alguns parecem variações do mesmo exercício –, estão muito bem escritos e produzem a sensação de um livro coeso, com as perspectivas de um eu lírico romântico e selvagem que muitas vezes me lembra o estilo de Cathy, protagonista de O Morro dos Ventos Uivantes (obra que deu fama a Emily Brontë) – e nem que fosse só por isso, já valeria a leitura.

Além de caminhar com O vento da noite, também estou relendo O morro dos ventos uivantes. E, com o objetivo de compartilhar algumas das minhas impressões sobre a leitura, fiz um vídeo a respeito da primeira parte do livro, que está disponível no canal do Duras Letras no Youtube

Lula e a política coletiva dos livros

Domingo, dia 30 de outubro de 2022, para nossa alegria (e de mais da metade do Brasil), Luís Inácio Lula da Silva foi eleito presidente

Não deveria ser necessário declarar nosso voto aqui – sobretudo porque o Duras Letras é um site que se dedica a discutir questões de literatura e coisas afins, e que tem muito respeito e admiração pela história e pela criação artística nacional. Ainda assim deixamos claro: votamos no Lula – tanto pelo repúdio ao presidente em exercício como pela admiração que temos pelo novo presidente eleito.

Nessa reta final, com dois turnos extremamente apertados, o resultado positivo finalmente apareceu e estamos a poucos passos do fim de um percurso tortuoso que foi sendo desenhado pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos. Com Lula lá, muita luta ainda será necessária. E será preciso reconquistar mais do que o cargo, as cores e a bandeira, para ver “o Brasil e seu povo feliz de novo”.

Enfim, agora que sabemos o resultado positivo, e pensando que este é um site de literatura, achamos interessante olhar rapidamente para trás para pensar e comentar sobre um detalhe específico da intensa campanha de Lula em 2022: sua relação com os livros.

Livros, sim! Eles estiveram presentes em peso. Não foi coisa apenas de Lula, mas também de seus eleitores.

Basta lembrar que nas eleições de 2018, quando Haddad, companheiro de partido de Lula, concorria ao cargo da presidência, seus apoiadores foram às urnas munidos de livros, numa afirmação simbólica de seu apoio ao candidato e às políticas pró-cultura.

Agora, em 2022, a presença dos livros demonstrando o apoio a Lula foi sobretudo nas redes sociais. No Instagram, aconteceu a campanha dos 13 livros vermelhos, em que o usuário era desafiado a postar uma foto com as lombadas dos livros escolhidos, e o convite da Companhia das Letras a “fazer o L” com o livro, do qual até a atriz Fernanda Montenegro participou.

Tais campanhas, no entanto, geraram polêmica mesmo dentro da própria esquerda, visto que uma parte do eleitorado de Lula considerou a proposta elitista e temia que, com a pose intelectualista, os participantes da campanha virtual pudessem até mesmo afastar novos possíveis eleitores, como comentou Karla Monteiro em sua coluna na Folha de São Paulo.

Além dos gestos de seus apoiadores, o próprio Lula não perdeu a chance de dizer que, ao contrário de seu adversário, ele estava bem mais interessado em entregar livros do que armas para a população, sendo que Bolsonaro, por sua vez, chegou a alertar seus apoiadores para o “risco” de que, se eleito, Lula quisesse transformar clubes de tiro em bibliotecas. E não foi a primeira vez que a política bolsonarista se mostrou contrária aos livros: basta lembrar a proposta tributária do Ministério da Economia dirigido por Paulo Guedes, que esteve determinado a acabar com a imunidade dos livros aos impostos, criada por Jorge Amado, ainda no século passado, o que aumentaria os preços e fecharia as portas de livrarias e pequenas editoras.

Lula, por sua vez, fez um comentário recente sobre a diminuição ou abono da taxação de livros – que visa reduzir significativamente o preço final do produto impresso e favorece sua distribuição. A expectativa, agora, é que Lula reative o Ministério da Cultura e a Secretaria do Livro e da Leitura, numa retomada da valorização e do incentivo à literatura, à cultura e à educação, refletindo seu compromisso com a diplomacia, com os valores democráticos e com a perspectiva de um mundo mais rico em cultura e cidadania, que os livros podem ajudar a alcançar pelo seu potencial transformativo.

Há ainda que se lembrar das pequenas manifestações do presidente petista, que propôs uma lista de indicação de livros para o Dia do Escritor (25 de julho).


Clique para acessar a publicação

Os livros você encontra aqui

Esse conjunto nos parece importante porque – para além do fato de trazer obras consagradas e publicadas nos últimos tempos – representa uma síntese do próprio projeto de país defendido por Lula ao longo de seus dois mandatos e também da recente campanha de 2022. A lista, misturando literatura e historiografia, destaca uma história narrada pela perspectiva daqueles que foram sistematicamente oprimidos e revela uma preocupação com questões como a fome, o racismo, a nossa história, nossa economia e as dificuldades que ainda enfrentamos: nada menos do que poderíamos esperar de alguém com tanta experiência de vida e tanta luta.

Como nos diz a lição de Paulo Freire:

Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.

Isso posto, para nós, a escolha do voto foi muito simples, e vem recheada da esperança de que, com Lula, o Brasil vai mudar (para melhor).

Como escrever um ensaio acadêmico?

O mais certo seria escrever este texto de maneira ensaística. Porém, como vocês logo vão perceber, a forma ensaio pode ser enigmática e obscurecer um pouco as coisas, não podendo ser entendida e planejada como uma receita de bolo ou coisa parecida, já que o ensaio se desenrola e se desenvolve à medida que se escreve, e não inteiramente de antemão.

Como o intuito desta publicação é a objetividade, optamos por uma forma, digamos, menos aberta, mas não de todo fechada, para orientar escritores que querem ou precisam (por quaisquer motivos) escrever um ensaio acadêmico ou científico.

Antes de começar, no entanto, gostaríamos de dizer que o texto abaixo é uma adaptação de alguns trechos e comentários feitos por pesquisadores da Unicamp que comentam sobre o gênero. A ideia foi disponibilizar o conteúdo desse texto de um jeito mais descontraído. Esperamos que vocês façam bom proveito!

O que é um ensaio?

Antes de qualquer coisa, é muito importante destacar os adjetivos que você coloca depois da palavra “ensaio”: literário, científico, acadêmico, jornalístico, biográfico etc., porque, se você deseja escrever um ensaio, é preciso saber de que tipo de ensaio estamos falando, já que esse gênero textual é mutante e está presente tanto no vasto grupo das literaturas, quanto entre os vários gêneros acadêmicos.

Entende-se por ensaio um texto que, à maneira dos artigos, tem por pretensão apresentar ideias e pontos de vista a respeito de determinado assunto. Mas não se engane: o ensaio não é um simples texto dissertativo e/ou argumentativo, porque nele o escritor tem maior liberdade formal e não precisa explorar o tema principal de um jeito tão aprofundado e sistemático.

Nesse caso, é possível dizer que ao contrário de ter que defender e argumentar contra ou a favor de uma tese, no ensaio o escritor precisa desenvolver e sustentar uma hipótese. Nesse sentido, o ensaio pode ser entendido como uma tentativa, um lançar-se sobre um tema na busca de melhor compreendê-lo e situá-lo, sem ainda chegar ao ponto de construir uma visão sólida sobre ele.

O ensaio acadêmico

Esta é a modalidade mais utilizada nas universidades, principalmente nos cursos de Ciências Humanas. Em geral, os trabalhos finais de disciplina pedem justamente para que o aluno escreva um ensaio acadêmico sobre determinado assunto, levando em conta os textos que foram lidos e o conhecimento que foi adquirido ao longo das aulas, além da bagagem pessoal construída pelo estudante durante sua formação.

Normalmente, é avaliada tanto a pertinência das hipóteses apresentadas pelo autor como sua argumentação em favor dessas hipóteses, além da originalidade da escrita. Por esse último motivo, o ensaio também pode apresentar certa literariedade, já que é um espaço em que as marcas do estilo pessoal do autor não só são aceitas como também desejáveis. Dessa forma, em alguns casos, o ensaio tende a performar aquilo que apresenta por meio de sua linguagem.

A forma ensaística

Muita gente acredita que basta escrever na primeira pessoa do singular – “eu penso” ou “eu existo” – para que um texto adquira ares de ensaio.

Contudo, a primeira pessoa do singular pode ser uma grande armadilha, podendo levar o texto ensaístico a um discurso barato e opinativo, se não trouxer a necessária reflexividade e potência do pensamento que fazem do ensaio algo cativante e provocador para aquele que o lê.

Mais do que simplesmente usar o eu para marcar o discurso, a forma ensaística está na ousadia de quem ensaia, ou, dizendo de um outro modo, não reside na tentativa de convencer o leitor com argumentos frios, mas de convidá-lo a experimentar o texto como se experimenta uma dança – o que não quer dizer que a lógica e a coerência não sejam importantes aqui.

Estrutura

É durante o ensaio que se cria mais livremente, enquanto a coreografia ainda não está totalmente definida. Por isso, diferentemente dos artigos científicos, no ensaio os escritores têm muita liberdade formal; um ensaísta não precisa, por exemplo, respeitar estruturas do tipo introdução-desenvolvimento-conclusões, embora também não seja errado fazer um texto “fechadinho”. O ponto é que no ensaio pode-se desenvolver o argumento pelo caminho que melhor funcionar para o autor, sem seguir um modelo pré-formatado.

É claro que isso depende da revista, plataforma, e até daquilo que seus professores ou contratantes entendem por “ensaio”. No entanto, não há dúvidas de que esse gênero tem uma abertura formal difícil de encontrar em outros textos acadêmicos, diferente do artigo, do projeto ou do relatório, que são mais restritivos e rigorosos.

Agora, é preciso dizer também que “essa tal liberdade” formal pode embaralhar o começo da escrita, ficando o ensaísta sem saber muito bem por qual trilha seguir. É por isso que é comum encontrar algumas sugestões de estrutura, que podem ajudar na hora do bloqueio. Abaixo, deixamos alguns modelos para você se inspirar.

Ensaio descritivo
Apresenta, de forma expressiva, objetos, locais e eventos para que o leitor consiga vislumbrar e tenha uma sensação clara sobre aquilo que foi descrito.

Ensaio explicativo
Tem por objetivo descrever um termo ou fato específico através de outros termos, fatos e metáforas.

Ensaio narrativo
Descreve uma sucessão de eventos a partir de uma perspectiva subjetiva privilegiada e explicita o desenvolvimento pessoal do narrador em termos de experiências e reflexões.

Ensaio comparativo
Visa demonstrar relações e diferenças mais substanciais entre dois ou mais itens analisados.

Ensaio de persuasão
Pretende convencer o leitor sobre as ideias ou opiniões do autor. O autor precisa (a) demonstrar que seu ponto de vista é razoável, (b) manter a atenção do leitor ao longo do texto e (c) fornecer evidências fortes para sustentar o seu ponto de vista.

Ensaio reflexivo
Inicia-se com uma proposição e um argumento, a seguir apresenta um contra-argumento e, por fim, derruba o contra-argumento com um novo argumento.

Fonte: Redação Científica/Unicamp.

É claro que nenhuma dessas estruturas é definitiva, e é sempre importante considerar que possivelmente o tema discutido vai impactar na forma como você escreve e no percurso das letras diante da tela. Por isso, não se esqueça: esses modelos são apenas uma ignição para que você desenvolva sua própria estrutura textual, de acordo com o caminhar da redação. Na dúvida, tente estruturar o texto com apenas um tópico ou argumento por parágrafo, buscando passar de um tema ao próximo com sutileza para que o leitor não fique perdido. Afinal, você (provavelmente) quer que seu leitor te acompanhe nesse percurso. Certo?

Dicas de ouro

1. Distancie-se do texto. Dê a você mesmo, se for possível, um tempo para assimilar e refletir sobre o que está escrevendo. Ao se afastar do texto, pode ser que você faça novas conexões, perceba erros de que não tinha se dado conta ou queira acrescentar ou remover algo que faltou ou sobrou. Para isso, um intervalo entre a escrita e a releitura é fundamental e vai ajudar a melhorar seu ensaio.

2. Suavize suas afirmações. Pode parecer estranho (ainda mais se você cresceu praticando o “modelo Enem” de redação, em que não há muito espaço para antíteses e reflexões mais aprofundadas), mas ser categórico demais tira parte da força do seu texto. É preciso pensar que o que você está expondo não são fatos – contra os quais não há opiniões –, mas interpretações, conexões, tentativas de explicações, etc. Portanto, ao invés de escrever que “o que Sócrates quis dizer com o mito da caverna é que…”, é melhor modular a frase e propor algo como “o mito da caverna pode ser interpretado como…” ou “o mito nos leva a pensar que…”, etc. Além disso… É básico, mas não custa lembrar: evite escrever de maneira preconceituosa e/ou ofensiva. O cuidado com a escrita também é o cuidado com o outro que irá ler o seu texto.

3. Capriche na conclusão. Em especial, capriche na última frase, que você pode aproveitar para reforçar a ideia principal do texto de uma maneira marcante para o leitor. É com ela que seu leitor vai ficar depois de terminar a leitura, então vale a pena investir em algo que o deixará com a impressão desejada. Um final de impacto – e não de efeito – ainda tem seu lugar ao sol.

Psicanálise e Suicídio

1.

Suicídio. Poucos assuntos exigem tanta delicadeza para se escrever quanto este. Talvez, em parte, porque o assunto permanece com certo estatuto de tabu, mas em parte, também, porque nos coloca em contato com o sofrimento humano num limite tão extremo que pode ser mais fácil não ver, não falar e não se permitir nem mesmo pensar sobre, com o receio de que, falando abertamente sobre o assunto, possamos “plantar ideias”, ou, para o nosso desconcerto, não saber o que dizer ou fazer.

De um ponto de vista psicanalítico, falar sobre o tema com alguém que tem tido ideações suicidas é mais recomendado que silenciar o assunto, e, é claro, há modos e modos de se fazer isso. Nesse sentido, é importante validar a experiência do sujeito, evitando os juízos morais, os preconceitos (como o de que o suicida “só quer chamar atenção”), ou os bem intencionados (porém surdos) apelos para que melhore logo “pois tudo ficará bem”. Ao invés disso, o que se pode oferecer é uma escuta solidária, que permita ao outro compreender seus sentimentos e a sentir-se menos isolado. Pode parecer pouco, mas mesmo para isso é preciso coragem!

Na clínica psicanalítica lacaniana, trabalha-se com três tempos: tempo de ver, de compreender e de concluir. É na dilatação do tempo de compreender que, frequentemente, um sujeito pode elaborar melhor o seu sofrimento e escolher um destino melhor para si mesmo que o auto-extermínio. Quanto a isso, é curioso que um dos fatores mais criticados da psicanálise, o fato de uma análise ser muito longa, é justamente o que oferece mais chances para o analisante, evitando que ele passe muito depressa do momento de ver (por que está sofrendo) para o de concluir (que o melhor seria morrer).

Na prática, a ambição não precisa ser tão grande: trata-se apenas de adiar a morte, até que se possa encontrar e inventar as razões pelas quais ainda valha a pena viver. O que não tem nada de óbvio.

2.

A adolescência é um período marcado por fortes mudanças, desde o afrouxamento do vínculo com os pais e o luto da infância ao desafio de produzir uma identidade mais compatível com os anseios do jovem em transformação, que podem torná-lo mais suscetível ao comportamento suicida. Além dessas mudanças esperadas e, num certo sentido, desejáveis – mas difíceis –, há outros determinantes no aumento do comportamento de risco, como abusos, disfuncionalidade na dinâmica familiar, bullying, luto, histórico familiar de suicídio e dificuldades de relacionamento.

Além disso, hoje também não se pode desprezar o peso dos ambientes virtuais: é expressivo que o índice de suicídios de garotas adolescentes tenha crescido 65% entre 2010 e 2015, relacionado ao aumento do tempo gasto nos dispositivos digitais, os quais, embora possam ser de muito proveito, estão relacionados a uma amplificação da comparação com os outros, do “fomo” (fear of missing out), da sensação de solidão e da lógica do curto prazo, acentuando a angústia. Esta, por sua vez, se torna ainda mais intratável quando há certa fragilidade por parte do jovem em produzir narrativas a respeito de si mesmo, de modo que o ato prevalece no lugar da fala, tornando-o mais vulnerável, com ou sem intenção deliberada.

Ainda assim, é importante considerar que “a conduta de risco do adolescente é mais uma tentativa de existir do que de morrer”, nos termos de Nassau.* Por isso é tão fundamental olhar com cuidado o caso a caso, e, quando possível, trabalhar no sentido de reforçar os fatores de proteção, que são, entre outros, segurança física e emocional, estabilidade familiar, boa rede de amigos, boas competências de relacionamento e experiências amorosas positivas. Pode não existir a fórmula para a felicidade nem a garantia de que seguindo uma receita dê para estar fora de risco – afinal, como diz Riobaldo, “viver é muito perigoso” –, mas dá pra tentar fazer da existência um fardo menos pesado de se carregar.

Reflexões inspiradas pelas aulas da professora Carolina Nassau, no curso “O suicídio para a psicanálise e suas implicações no manejo clínico com adolescentes” – PSILACS, fevereiro de 2022.

Descubra mais no Instagram da autora

Resenha – “Cartas a um jovem terapeuta”, de Contardo Calligaris

Lituraterras n. 1

Nas suas Cartas a um jovem terapeuta (2008), Contardo Calligaris escreve sobre a psicanálise com um tom descontraído e pouco acadêmico, que serve tão bem aos não iniciados quanto aos que já pegaram o bonde (sempre andando) da psicanálise.

Em dezesseis cartas e alguns bilhetes, somos convidados a refletir sobre questões práticas e filosóficas da análise e das psicoterapias, num texto fluido e bem articulado que traz referências históricas, anedotas e “causos” sobre as vivências do autor.

Ao longo delas, Contardo tece comentários sobre as modas entre analistas, tanto as do passado como algumas mais recentes, a história da psicanálise francesa, da qual fez parte, nos anos 1960 e 1970, sua decisão de enveredar por esse caminho e suas ideias sobre o que (se) pode ou não esperar (de) quem deseja seguir a mesma via.

Não deixam de estar presentes, também, reflexões sobre o que é o “normal” para a psicanálise, o que se pode esperar enquanto “cura”, a relação do psicanalista com a ética da sua clínica, tópicos mais ou menos polêmicos – como a importância da infância e da sexualidade para a psicanálise, ou a inutilidade dos conflitos entre psicanálise e neurociências, ou psicanálise e religião –, e sobre as características que o autor considera desejáveis em quem considera a ideia de se tornar analista, as quais reproduzo parcialmente aqui:

  1. Um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por mais diferentes que sejam de você.
  2. Uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito.
  3. (…) uma certa quilometragem rodada; e
  4. (…) uma boa dose de sofrimento psíquico.

Pessoalmente, adorei as provocações. Se não for pra concordar, se prestam, no mínimo, a deixar as ideias fermentando… Um prazer que não me recuso, mesmo que não seja, de todo, inofensivo.

Por onde começar a ler Freud

A dúvida sobre por onde começar a ler Freud é compartilhada por muitas pessoas e pode, realmente, gerar algum embaraço, especialmente porque sua obra é bastante extensa e volumosa, com dezenas de textos que vão construindo progressivamente a teoria psicanalítica freudiana. Contudo, isso não significa – ou não necessariamente significa – que seja preciso começar “pelo começo”, cronologicamente e fazer uma leitura extensiva, de cabo a rabo. Para quem quer conhecer a obra de Freud, mas não espera examiná-la à exaustão, existem várias opções possíveis, de modo que a resposta à nossa pergunta deve, antes de tudo, levar em conta que não existe um só caminho para começar a ler Freud.

Por esse motivo, outro ponto importante é saber qual é o seu interesse nessa leitura, uma vez que é totalmente válido ler Freud pensando no conhecimento da sua técnica ou teoria psicanalítica, em vista de um ponto de vista filosófico, com um recorte bem específico (por exemplo, usa-se muito os conceitos freudianos de trauma, infamiliar e sintoma em outras áreas que não a própria psicanálise), ou por curiosidade, já que os textos de Freud também possuem uma grande qualidade literária – aliás, sabia que Freud foi laureado no Prêmio Goethe de Literatura, em 1930? Ele também chegou a ser indicado ao Nobel de Literatura em 1936, mas este quem levou foi Eugene O’Neill.

Tendo isso em mente, como analista em formação e entusiasta da teoria e da prática psicanalítica, gostaria de indicar algumas possibilidades para quem ainda não decidiu de onde partir. 🙂

Para quem quer ler Freud como pensador da cultura

Aos que estão procurando um Freud filosófico, com mais atenção ao seu pensamento enquanto um intelectual de seu tempo que como médico e psicanalista, as sugestões de leitura são Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915), A transitoriedade (1916) e O mal estar na civilização (1930), sendo o terceiro deles o mais longo e mais desafiador, enquanto os outros ganham na sua linguagem acessível e na beleza das ideias, além de serem textos bem breves.

Freud para quem quer estudar psicanálise

Como vocês já devem ter desconfiado, nem se eu elencasse aqui uma dúzia de textos seria possível dar conta de passar por tudo que a teoria que Freud produziu. Por isso, considero essas indicações apenas um aperitivo, sem pretensão nenhuma de esgotar o assunto, mas só pra dar aquele gostinho em quem está a fim de conhecer mais do assunto, ok? Então, aí vão as sugestões: para quem quer ler Freud para estudar psicanálise, alguns textos interessantes são O sonho é a realização de um desejo (1900), Os instintos e seus destinos (1915) e A questão da análise leiga (1926). Dica de ouro: se puder, consulte um dicionário de psicanálise quando bater a dúvida sobre o que quer dizer algum conceito. Pessoalmente, gosto muito do Vocabulário da Psicanálise de Laplanche e Pontalis, mas existem outros igualmente competentes, como o de Roudinesco e Plon, por exemplo.

Freud para os amantes de literatura e outras artes

Além de um exímio médico e pesquisador, Freud também foi um grande admirador da literatura e de outras artes, tendo usado delas para ajudar a construir sua teoria – não vamos esquecer a importância do mito de Édipo para Freud, por exemplo – e escrito sobre elas em algumas ocasiões. Na verdade, muitos de seus textos têm pinceladas com referências a poetas, dramaturgos e romancistas admirados pelo autor. Se você também se interessa por esses temas, pode gostar de textos como O escritor e a fantasia (1908), O tema da escolha do cofrinho (1913) e O inquietante (1919).

Freud para quem procura histórias reais

Uma última aposta, para os quem ainda estão indecisos, são os casos clínicos de Freud, em que o autor relata em minúcias os encontros com pacientes, suas queixas, a evolução dos seus sintomas, seus sonhos e suas interpretações. Cada caso costuma trazer importantes contribuições à teoria freudiana, pois é a partir deles, ou seja, a partir da experiência clínica, que Freud faz as suas proposições para o campo psicanalítico. Alguns dos casos mais importantes e conhecidos de Freud são O caso Dora (1905), O pequeno Hans (1909), O homem dos ratos (1909), O caso Schreber (1911) e O homem dos lobos (1918), além dos que estão em seus Estudos sobre a histeria (1893-1895), dos quais gosto particularmente do caso sobre Emmy von N., a partir do qual Freud deixa a hipnose e começa a se valer da associação livre na condução dos tratamentos.

Sair da versão mobile