Resenha – “O exército de um homem só”, de Moacyr Scliar

Um delírio, uma realidade

Confesso que meu interesse pela obra O exército de um homem só (1974), de Moacyr Scliar, surgiu por conta da canção homônima, presente no álbum O papa é pop (1990), da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii. Sendo um dos meus discos favoritos dessa banda, fui logo convidado à leitura com altas expectativas quanto ao conteúdo do livro, como se o compositor e vocalista, Humberto Gessinger, estivesse dialogando diretamente com a obra do escritor judeu, radicado em Porto Alegre, em suas composições.

Ao fim da leitura, consegui estabelecer de fato algumas relações entre canções e texto, mas são pontos que não vão muito longe e que talvez merecessem um texto mais longo e demorado. De qualquer modo, aos que não conhecem, deixo abaixo a música do(s) Engenheiros do Hawaii.

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Primeira faixa do álbum O papa é pop (1990) – Engenheiros do Hawaii

Resumo

Na história, acompanhamos alguns dos anos de vida de Mayer Guinzburg, um judeu de origem russa, excêntrico, que, vivendo no bairro do Bom Fim, em Porto Alegre, pretende criar “uma nova sociedade”, a Nova Birobidjan: uma comuna judaico-comunista em terras brasileiras e que é inspirada na Birobidjan russa, terra de judeus do antigo país soviético.

Tendo por parâmetro o socialismo de Stalin, mas tomando atitudes grotescas e muitas vezes antipopulares, nós assistimos Mayer fracassar diversas vezes, passeando entre ascensões econômicas e falências abruptas, alucinações e confrontos verdadeiros com as autoridades locais, a família, as amantes e os amigos.

O livro começa e termina no ano de 1970, com a suposta internação e morte do “Capitão Birobidjan”, apelido pelo qual Mayer é conhecido.

Bônus

Trata-se de um livro curto e muito dinâmico, ou seja, a leitura avança com velocidade e os problemas vencidos pelo personagem central vão rapidamente dando lugar a novos problemas e renovando nosso interesse pela narrativa. Além disso, é incrível estar em contato com aspectos da cultura judaica, tão presente no país, mas desconhecida por muitos. Por fim, acho interessantíssima a forma narrativa escolhida por Scliar, construída a partir de fragmentos intertextuais e múltiplos narradores, compondo, de fato, um exército de um homem só.

Ônus

Mas não são só flores esse exército! O aspecto fragmentário e as inúmeras maluquices do Capitão Birobidjan deixam algumas partes da obra muito confusas, exigindo que o leitor retome o fio da meada páginas atrás, sem saber quem está falando ou sobre o quê, ou que aceite a confusão toda da personagem e da forma narrativa. Existem também alguns trechos tediosamente longos dentro das alucinações de Guinzburg, que muitas vezes me pareceu um personagem antipático e insensível.

Comentário Final

Foi a primeira obra de Moacyr Scliar lida por mim e, em linhas gerais, eu gostei bastante. Como não tinha grandes expectativas quanto ao que encontraria em termos especificamente literários, já que minha leitura estava guiada pela canção do Engenheiros do Hawaii, topar com um estilo tão “pós-moderno” e com uma literatura de cultura judaico-brasileira foi gratificante. Aos que não sentem muita dificuldade com textos fragmentários, e que ao mesmo tempo se interessam por questões históricas ligadas ao socialismo e pela história de uma parcela do povo judeu no Brasil, recomendo fortemente a leitura de O exército de um homem só.

Publicado por

Gabriel Reis Martins

Bacharel em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais e mestrando no programa de Pós-graduação em Literatura comparada e Teoria da literatura pela mesma universidade.

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