Três poemas de “Vil Metal”, de Ferreira Gullar

Confira três poemas de “Vil metal”, livro pouco lembrado de Ferreira Gullar.

Ferreira Gullar é um poeta famoso, que tem pelo menos duas faces mais consagradas na literatura brasileira: a de poeta engajado – tendo participado fortemente da luta contra a ditadura e pela revolução social no país, com uma vasta lírica política – e a de polêmico, por conta principalmente de sua conversão ao liberalismo e ao conservadorismo, sobretudo a partir dos anos 2000. 

Tentando escapar um pouco dessas duas máscaras, decidimos trazer três poemas de Ferreira Gullar. São textos que fazem parte de uma de suas obras que acabou ficando esquecida nas prateleiras de sebos, mas que demonstra um intenso diálogo do poeta com a tradição surrealista e concretistas, e suas tentativas de encontrar uma linguagem mais pessoal.

Com vocês, três poemas de Vil metal!

Escrito

A prata é um vegetal como a alface.
Primaveril, frutifica em setembro.
É branca, dúctil, dócil (como diz a Lucy)
e, em março, venenosa.

O cobre é um metal que se extrai da flor do fumo.
Tem o azul do açúcar.
É turvo, doce e disfarçado.

O ouro é híbrido — flor e alfabeto.
Osso de mito, quando oiro é teia de abelha.
A precisão do maduro. Dele se fabricam a urina e a velhice.

Frutas

Sobre a mesa no domingo
(o mar atrás)
duas maçãs e oito bananas num prato de louça
São duas manchas vermelhas e uma faixa amarela
com pintas de verde selvagem:
uma fogueira sólida
acesa no centro do dia
O fogo é escuro e não cabe hoje nas frutas:
chamas,
as chamas do que está pronto e alimenta.

Recado

Os dias, os canteiros,
deram agora para morrer como nos museus
em crepúsculos de convalescença e verniz
a ferrugem substituída ao pólen vivo.
São frutas de parafina
pintadas de amarelo e afinadas
na perspectiva de febre que mente a morte.
Ao responsável por isso,
quem quer que seja,
mando dizer que tenho um sexo
e um nome que é mais que um púcaro de fogo:
meu corpo multiplicado em fachos.
Às mortes que me preparam e me servem
na bandeja
sobrevivo,
que a minha eu mesmo a faço, sobre a carne da perna,
certo,
como abro as páginas de um livro
— e obrigo o tempo a ser verdade.

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