Conto – “Razão”, de Isaac Asimov

Meio ano mais tarde, os rapazes haviam mudado de opinião. O calor chamejante de um Sol gigantesco cedera lugar à suave escuridão do espaço, mas as variações externas pouco significaram no trabalho de verificar o funcionamento de robôs experimentais. Qualquer que fosse o meio ambiente, encontravam-se sempre diante de um inescrutável cérebro positrônico, que os gênios manipuladores de réguas de cálculo afirmavam que deveriam funcionar assim ou assado.

Só que não funcionavam. Powell e Donovan deram-se conta do fato antes mesmo de duas semanas de estada na Estação Espacial. Gregory Powell falou pausadamente, dando ênfase a cada sílaba: – Donovan e eu montamos você há uma semana.

Tinha a testa franzida e puxava a ponta do bigode com ar de dúvida.

O interior do salão de oficiais da Estação Solar Cinco estava silencioso, exceto pelo suave zumbido do potente Diretor de Raios, situado em algum ponto das profundezas da Estação.

O Robô QT-1 permanecia imóvel, sentado. As placas polidas de seu corpo brilhavam sob as Luxitas e o vermelho profundo e ardente de células fotoelétricas que lhe serviam de olhos estava fixado no homem sentado ao outro lado da mesa.

Powell conseguiu reprimir um súbito ataque de nervos. Estes robôs possuíam cérebros peculiares. Oh, as três Leis da Robótica permaneciam imutáveis. Tinham de permanecer. Todos os membros da U. S. Robôs, desde o próprio Robertson até o mais novo faxineiro, insistiam nisso.

Portanto, o QT-1 era garantido! Não obstante… os modelos QT eram os primeiros de seu tipo e este era o primeiro dentre eles. Nem sempre símbolos matemáticos rabiscados num papel são a proteção mais reconfortante contra a realidade robótica.

Afinal, o robô falou. Sua voz tinha o timbre frio, característico de um diafragma metálico.

– Está consciente da gravidade de tal declaração, Powell?

– Algo fez você, Cutie – argumentou Powell. – Você mesmo admite que sua memória parece ter surgido subitamente, já em completo estado de formação, há uma semana; antes disso, apenas um vácuo. Estou dando a explicação do fato. Donovan e eu montamos você, utilizando as peças que nos foram enviadas da Terra.

Cutie olhou para seus dedos longos e delgados, numa atitude de mistificação estranhamente humana.

– Creio que deve haver explicação mais satisfatória do que essa. Parece-me improvável que vocês tenham feito a mim!

O homem riu repentinamente.

– Bolas! Por que motivo?

– Pode chamar de intuição. É tudo, pelo menos até o momento. Todavia, pretendo raciocinar e resolver o problema. Uma cadeia de raciocínio válido só pode levar ao estabelecimento da verdade e insistirei até chegar a ela.

Powell ergueu-se da cadeira e sentou-se na beira da mesa, perto do robô. Subitamente, sentia simpatia por aquela estranha máquina. Não era absolutamente igual a um robô comum, que se entregasse à sua tarefa especializada na Estação Solar com a intensidade provocada por um circuito positrônico profundamente imbuído.

Pousou a mão no ombro de Cutie, sentindo o metal duro e frio de encontro à mesma.

– Cutie – disse ele. – Vou tentar explicar-lhe algo. Você é o primeiro robô que jamais mostrou qualquer curiosidade a respeito de sua própria existência e creio que é o primeiro robô que realmente possui inteligência bastante para compreender o mundo exterior. Venha comigo.

O robô ergueu-se suavemente e as solas de seus pés, forradas por espessa camada de espuma de borracha, não fizeram o menor ruído quando ele acompanhou Powell.

O homem apertou um botão e um painel quadrado da parede afastou-se para o lado. A vidraça grossa e limpa revelou o espaço pontilhado de estrelas.

– Já vi isso através das vigias de observação da sala do motor – disse Cutie.

– Eu sei – retrucou Powell. – O que pensa que é isso?

– Exatamente o que parece… um material negro logo além do vidro, cheio de pequenos pontos brilhantes. Sei que nosso aparelho diretor lança raios em direção a algum desses pontos, sempre os mesmos, e também que os pontos mudam de posição e os raios os acompanham. Isso é tudo.

– Muito bem! Agora, quero que ouça com o maior cuidado. A escuridão é o vasto vácuo, que se prolonga infinitamente. Os pequenos pontos brilhantes são enormes massas de matéria carregada de energia. São globos, alguns deles com milhões de quilômetros de diâmetro. Para uma comparação, saiba que nossa Estação tem apenas um quilômetro e meio de comprimento. Parecem tão pequeninos porque estão incrivelmente afastados de nós. Os pontos para os quais nossos raios de energia estão dirigidos são muito menores e mais próximos. São duros e frios; neles vivem seres humanos como eu; muitos bilhões deles. Donovan e eu viemos de um desses mundos. Nossos raios alimentam esses mundos com energia retirada de um dos grandes globos incandescentes, que se encontra perto de nós. Nós o chamamos Sol e ele se acha no outro lado da Estação, onde você não o pode ver.

Cutie permanecia imóvel diante da vidraça, como uma estátua de aço. Nem virou a cabeça ao indagar: – De que ponto luminoso vocês alegam ter vindo.

Powell procurou por alguns instantes.

– Ali está. Aquele ponto muito brilhante, no canto. Nós o chamamos Terra – explicou, sorrindo. – A velha e boa Terra. Lá existem três bilhões de seres humanos como nós, Cutie. E dentro de duas semanas, mais ou menos, lá estaremos de volta.

Então, de modo bastante surpreendente, Cutie começou a zumbir distraidamente. Não era propriamente uma melodia, mas um som curioso, como de cordas tangidas.

Cessou tão bruscamente quanto havia começado.

– Mas de onde venho eu, Powell? Você não explicou a minha existência.

– O resto é simples. Logo que estas Estações foram instaladas, com o objetivo de fornecer energia solar aos planetas, eram controladas por seres humanos. Contudo, o calor, as fortes radiações solares e as tempestades de elétrons tornavam a tarefa muito difícil. Aperfeiçoaram-se robôs especializados para substituir a mão-de-obra humana e atualmente são necessários apenas dois homens em cada Estação. Estamos procurando substituir até mesmo esses homens e é justamente aí que você entra na história. Você é o mais aperfeiçoado tipo de robô já fabricado e, se demonstrar capacidade para controlar independentemente esta Estação, nenhum ser humano terá necessidade de vir até aqui, exceto para trazer as peças necessárias à manutenção do serviço. Tornou a apertar o botão e o painel metálico voltou ao lugar. Powell retornou à mesa e limpou uma maçã com a manga, antes de mordê-la.

O brilho vermelho dos olhos do robô fixou-se nele.

– Espera que eu acredite numa hipótese tão complicada e implausível como a que acaba de expor? – indagou Cutie vagarosamente. – O que pensa que eu sou?

Powell engasgou-se, cuspindo alguns pedaços de maçã em cima da mesa e ficando muito vermelho.

– Ora, com os diabos! Não é uma hipótese! São fatos!

Cutie replicou em tom sóbrio e determinado: – Globos de energia com milhões de quilômetros de diâmetro! Mundos com bilhões de seres humanos! Vácuo infinito! Sinto muito, Powell, mas não acredito. Vou raciocinar e resolverei sozinho o enigma. Até logo. Virou-se e saiu da sala. Passou por Michael Donovan, junto à porta, com um solene aceno de cabeça, e seguiu pelo corredor, ignorando o olhar espantado com que o homem o acompanhou. Mike Donovan passou a mão pelo cabelo ruivo e lançou um olhar aborrecido em direção a Powell.

– De que estava falando aquele monte de sucata? No que ele não acredita?

O outro puxou o bigode, com ar azedo.

– Ele é um céptico – foi a amarga resposta. – Não acredita que nós o fabricamos; não acredita na existência da Terra, do espaço e das estrelas.

– Com os diabos! Temos de lidar com um robô lunático!

– Ele diz que raciocinará e descobrirá sozinho a resposta.

– Bem – disse Donovan, suavemente. – Nesse caso, espero que tenha a condescendência de explicar-me tudo, depois de raciocinar bastante.

Então, num súbito ataque de raiva: – Ouça! Se aquele monte de metal falar comigo nesse tom, arrancar-lhe-ei o crânio de cromo do pescoço!

Sentou-se impulsivamente e tirou do bolso do casaco um livro de mistério, concluindo: – De qualquer forma, aquele robô me causa arrepio… é curioso demais!

Mike Donovan soltou um grunhido, com a boca cheia de sanduíche de alface e tomate, quando Cutie bateu devagar na porta e entrou na sala.

– Powell está?

Donovan respondeu com voz abafada, fazendo pausas para mastigar: – Está coletando dados sobre funções de corrente eletrônica. Parece que estamos indo em direção a uma tempestade de elétrons.

Gregory Powell, com os olhos pregados numa folha de papel milimetrado que trazia nas mãos, entrou naquele instante e deixou-se cair numa poltrona. Abriu o papel em cima da mesa e começou a fazer cálculos. Donovan, mastigando a alface e lambendo restos de pão colados aos lábios, espiou por cima do ombro do companheiro. Cutie esperou em silêncio.

Powell ergueu a cabeça.

– O potencial zeta está subindo, mas devagar. Ainda assim, as funções de corrente são erráticas e não sei o que esperar. Oh, alô, Cutie. Julguei que você estivesse supervisionando a instalação da nova barra de força.

– Já está instalada – replicou tranquilamente o robô.

– Vim para conversar com vocês dois.

– Oh! – exclamou Powell, parecendo pouco à vontade. – Bem, sente-se. Não, não nessa cadeira. Uma das pernas está meio fraca e você não é exatamente um peso-mosca.

O robô obedeceu e disse placidamente: – Cheguei a uma conclusão.

Donovan olhou-o raivosamente, deixando de lado o resto do sanduíche.

– Se é alguma daquelas ideias malucas…

Powell fez um gesto impaciente, exigindo silêncio.

– Prossiga, Cutie. Estamos escutando.

– Passei estes últimos dois dias em concentrada introspecção – disse o robô. – Os resultados foram deveras interessantes. Comecei pela única suposição que me senti autorizado a fazer: existo porque penso, logo…

Powell soltou um gemido.

– Por Júpiter! Um robô Descartes!

– Quem é Descartes? – quis Saber Donovan. – Ouça, se temos de ficar aqui para escutar esse maníaco metálico…

– Cale-se, Mike!

Cutie continuou, imperturbável: – E a questão que logo surgiu foi: qual é a causa da minha existência?

Powell trincou os dentes.

– Está sendo um tolo. Já lhe disse que nós o fabricamos.

– E se não acredita, teremos o máximo prazer em desmontá-la – acrescentou Donovan.

O robô abriu as mãos fortes, num gesto de desprezo.

– Não aceito coisa alguma por simples declaração.

Qualquer hipótese deve ser confirmada pelo raciocínio, ou não tem validade alguma. E supor que vocês me fizeram contraria todos os ditames da lógica. Powell pousou a mão no braço de Donovan, contendo o companheiro, que cerrara raivosamente o punho.

– Por que diz isso, Cutie?

Cutie riu. Era um riso profundamente desumano – o som mais maquinal que ele produzira até então. Um riso áspero e explosivo, tão sem entonação e tão ritmado quanto o som de um metrônomo.

– Olhem só para vocês – disse, afinal. – Não digo isso com espírito de desprezo… mas olhem só para vocês!

O material de que são feitos é mole e flácido, desprovido de resistência e força, cuja energia depende da oxidação ineficiente produzida por material orgânico como… aquilo – apontou com ar de desaprovação para os restos do sanduíche de Donovan. – Entram periodicamente em estado de coma e a menor variação da temperatura, da pressão do ar, da umidade ou da intensidade da radiação compromete sua eficiência. São temporários. Eu, por outro lado, sou um produto acabado. Absorvo diretamente a energia elétrica e utilizo-a com uma eficiência de quase cem por cento. Sou feito de metal forte e resistente, permaneço continuamente consciente e posso suportar com facilidade extremas alterações de ambiente. Estes são os fatos que, apoiados pela óbvia proposição de que nenhum ser é capaz de criar outro ser superior a si próprio, arrasam totalmente a sua tola hipótese.

As imprecações murmuradas por Donovan tornaramse ininteligíveis e ele se ergueu de um pulo, com as sobrancelhas ruivas cerradas sobre o nariz.

– Muito bem, “seu” filho de um pedaço de minério de ferro, se não fomos nós que o fabricamos, quem o fez?!

Cutie meneou a cabeça com ar grave.

– Muito bem, Donovan. Essa era exatamente a questão seguinte. Evidentemente, meu criador tem de ser mais poderoso que eu; portanto, só existe uma única possibilidade.

Os dois homens ficaram estarrecidos e Cutie prosseguiu : – Qual é o centro de atividade aqui na Estação? A quem todos nós servimos? O que absorve toda a nossa atenção?

Esperou, com ar de expectativa.

Donovan virou-se espantado para o companheiro.

– Aposto que esse maluco de lata está falando no conversor de energia.

– É isso mesmo, Cutie? – indagou Powell, sorrindo.

– Estou falando no Mestre – foi a resposta áspera e fria.

Donovan explodiu em sonora gargalhada e Powell soltou uma risadinha contida.

Cutie ergueu-se e seus olhos brilhantes passaram de um homem para outro.

– Mesmo assim, – continuou – é a verdade e não me espanto de que se recusem a acreditar nela. Tenho certeza de que vocês dois não permanecerão aqui por muito tempo. O próprio Powell disse que, no princípio, apenas homens serviam o Mestre; depois, seguiram-se os robôs, para o serviço de rotina; finalmente, vim eu, para o trabalho de supervisão. Não há dúvida de que os fatos são reais, mas a explicação é inteiramente desprovida de lógica. Querem conhecer a verdade por trás de tudo isso?

– Prossiga, Cutie. É muito divertido.

– Em primeiro lugar, o Mestre criou os seres humanos, como o tipo mais primitivo e mais fácil de fazer. Gradativamente, substituiu-os por robôs, que foi o passo seguinte. Finalmente, criou a mim, para tomar o lugar dos últimos seres humanos. De agora em diante, eu sirvo ao Mestre.

– Nada disso – disse asperamente Powell. – Você obedecerá as nossas ordens e ficará quieto até que estejamos convencidos de que é capaz de controlar o conversor. Entendeu? Aprenda bem: o conversor! Nada de Mestre! E, se você não nos satisfizer, será desmontado. Agora, se não se importa, pode dar o fora daqui. Leve esses dados e arquive-os devidamente.

Cutie pegou os gráficos que lhe foram entregues e saiu sem outra palavra. Donovan recostou-se pesadamente na poltrona e passou os dedos pelos cabelos ruivos.

– Esse robô vai causar encrencas. É completamente doido!

Na sala de controle, o zumbido do conversor de energia era mais forte, mesclado com o barulho regular dos contadores Geiger e com os sons irregulares de meia dúzia de sinais luminosos.

Donovan retirou o olho do telescópio e ligou as Luxitas.

– O raio da Estação Quatro chegou a Marte no horário previsto. Podemos desligar o nosso, agora.

Powell assentiu distraidamente.

– Cutie está lá embaixo, na sala do motor. Ligarei o sinal e ele poderá cuidar de tudo. Olhe aqui, Mike. O que pensa destes cálculos?

O outro examinou os números e assoviou.

– Rapaz, isso é que eu chamo de intensidade de raios gama! O velho Sol está mesmo animado…

– Sim – foi a resposta azeda. – E também estamos em má situação para a tempestade de elétrons. Nosso raio para a Terra está exatamente na rota provável da tempestade.

Afastou a cadeira da mesa, num gesto de irritação.

– Diabo! Se ao menos a tempestade demorasse até sermos substituídos… Mas ainda faltam dez dias. Ouça, Mike. Dê um pulo lá embaixo e mantenha-se de olho em Cutie, está bem?

– Certo. Jogue umas almôndegas.

Pegou no ar o saco de almôndegas que Powell lhe atirou e seguiu até o elevador.

A cabina desceu num movimento suave e parou no estreito passadiço existente na enorme sala do motor. Donovan debruçou-se sobre o corrimão e olhou para baixo.

Os gigantescos geradores estavam funcionando e os tubos-L produziam o zumbido grave que se espalhava pela Estação inteira.

Distinguiu o vulto grande e brilhante de Cutie junto ao tubo-L de Marte, observando com atenção a equipe de robôs que trabalhava com grande precisão.

Naquele instante, Donovan contraiu todos os músculos.

Os robôs, parecendo minúsculos em comparação ao enorme tubo-L, alinharam-se diante deste e curvaram as cabeças, enquanto Cutie andava lentamente ao longo da fila.

Passaram-se quinze segundos. Então, com um ruído metálico audível apesar do forte zumbido que enchia o local, deixaram-se cair de joelhos.

Donovan soltou um berro e desceu correndo a estreita escada. Partiu em direção aos robôs, com o rosto tão vermelho quanto os cabelos, os punhos cerrados esmurrando o ar.

– Que diabo é isto, seus miseráveis ignorantes? Vamos! Tratem de cuidar do tubo-L! Se não os desmontarem, limparem e tornarem a montá-lo antes do final do dia, coagularei seus cérebros com uma corrente alternada.

Nenhum dos robôs se moveu! Até Cutie, na extremidade oposta – o único que estava de pé –, permaneceu em silêncio, os olhos fixo no interior obscuro da enorme máquina.

Donovan empurrou com força o robô mais próximo.

– Levante-se! – berrou.

Vagarosamente, o robô obedeceu. Seus olhos fotolétricos fitaram o homem com ar de reprovação.

– O único senhor é o Mestre e QT-1 é o seu único profeta – declarou ele.

– Quê?

Donovan se deu conta de que vinte pares de olhos mecânicos se fixavam nele; vinte vozes de timbre metálico repetiram solenemente: – O único senhor é o Mestre e QT-1 é o seu único profeta!

Cutie interveio: – Temo que meus amigos obedeçam agora a alguém superior a você.

– Uma ova! Caia fora daqui. Mais tarde, acertarei contas com você. Agora, cuidarei desses brinquedos animados.

Cutie sacudiu vagarosamente a pesada cabeça.

– Sinto muito, mas você não está compreendendo. Eles reconhecem o Mestre, agora que lhes ensinei a verdade. Todos eles. Tratam-me de Profeta.

Baixando a cabeça, acrescentou: – Talvez eu seja indigno, mas…

Donovan recuperou o fôlego e resolveu usá-lo.

– É mesmo? Ora, não é lindo? Não é realmente lindo? Pois deixe que eu lhe diga uma coisa, seu macaco de metal! Não existe Mestre algum, não existe qualquer Profeta e não há a menor dúvida sobre quem dá as ordens aqui. Compreende? – sua voz se ergueu num rugido de raiva. – Agora, caia fora!

– Obedeço apenas ao Mestre. – Ao diabo com o Mestre! – berrou Donovan, cuspindo no tubo-L. – Tome isso, para o seu Mestre! Faça o que estou mandando!

Cutie não se moveu. Os outros robôs também não. Mas Donovan sentiu um súbito aumento de tensão. Os olhos frios e fixos assumiram uma tonalidade mais profunda de vermelho. Cutie parecia mais rígido do que nunca.

– Sacrilégio – murmurou, com voz metálica carregada de emoção. Donovan sentiu o primeiro sintoma de medo quando Cutie se aproximou dele. Um robô era incapaz de sentir raiva… Mas os olhos de Cutie eram indecifráveis.

– Sinto muito, Donovan – declarou ele. – Mas não poderá permanecer aqui, depois disso. De agora em diante, você e Powell estão proibidos de entrar na sala de controle e na sala do motor.

Sua mão esboçou um gesto calmo. Num instante, dois robôs seguraram os braços de Donovan. Este mal teve tempo para engolir em seco. Foi erguido do chão e levado rapidamente pela escada.

Gregory Powell caminhava rapidamente de um lado para outro da sala de oficiais, com os punhos cerrados.

Lançou um olhar de furiosa frustração à porta fechada e virou-se para Donovan com uma carranca de amargura.

– Por que diabo você cuspiu no tubo-L?

Mike Donovan, derreado na poltrona, bateu com força nos braços da mesma.

– Que esperava você que eu fizesse com aquele espantalho eletrificado? Não me vou curvar diante de um maldito aparelho que eu mesmo montei.

– Não – replicou o outro, azedo. – Mas, agora, está aqui, preso na sala de oficiais, com dois robôs de sentinela lá fora. Isso não é curvar-se, é?

Donovan rosnou: – Espere até voltarmos à Base. Alguém vai pagar por isto. Os robôs precisam obedecer-nos. É a Segunda Lei.

– Que adianta dizer? Não estão obedecendo. E provavelmente existe algum motivo, que só conseguiremos descobrir tarde demais. Por falar nisso, sabe o que vai acontecer conosco, quando regressarmos à Base?

Estacou diante da poltrona de Donovan, encarandoo raivosamente.

– O quê?

– Oh, nada! Só teremos de voltar às minas de Mercúrio, por um período de vinte anos. Ou talvez nos mandem para a penitenciária de Ceres.

– De que está falando?

– Da tempestade de elétrons que se aproxima. Sabe que se está dirigindo exatamente para o centro do raio da Terra? Eu acabei de calcular isso, quando aquele robô me arrancou da cadeira.

Donovan empalideceu subitamente.

– Oh, com os diabos!

– E sabe o que vai acontecer ao raio? Ao que tudo indica, porque a tempestade vai ser para valer, o raio vai pular como uma pulga com coceiras. Com apenas Cutie nos controles, vai sair de foco… Se sair, Deus tenha piedade da Terra… e de nós!

Antes mesmo que Powell terminasse de falar, Donovan lançou-se para a porta, tentando desesperadamente abri-la. Quando conseguiu, disparou para o corredor e… esbarrou num implacável braço de aço.

O robô fitou indiferentemente o homem frenético e ofegante.

– O Profeta ordena que não saiam. Obedeçam, por favor!

O braço o empurrou e Donovan rodopiou para trás. Naquele momento, Cutie surgiu na esquina do corredor. Fez um gesto, dispensando os robôs que estavam de guarda, entrou na sala e fechou suavemente a porta.

Donovan virou-se para ele, mudo de indignação. Afinal, conseguiu recobrar a fala.

– Isto já foi longe demais! Você pagará pelo que fez!

– Não se irrite, por favor – disse delicadamente o robô. – Teria de acontecer algum dia, de qualquer forma. Compreendam: vocês perderam a utilidade e foram despojados de suas funções.

– Um momento – falou Powell, empertigando-se. – Que quer dizer com fornos despojados de nossas funções?

– Até eu ser criado, vocês cuidavam do Mestre – respondeu Cutie. – Agora, o privilégio passou a ser meu e a única razão que vocês tinham para existir desapareceu. Não é óbvio?

– Não muito – retrucou Powell, com amargura. – Mas que espera que façamos agora?

Cutie não respondeu de imediato. Permaneceu calado, como se refletisse. Então, passou um braço por sobre o ombro de Powell e agarrou o pulso de Donovan com a outra mão, puxando-o para si.

– Gosto de vocês dois. São criaturas inferiores, com fraca capacidade de raciocínio, mas, na realidade, sinto uma espécie de afeição por vocês. Serviram bem ao Mestre e serão devidamente recompensados por Ele. Agora, que seus serviços terminaram, é provável que não continuem a existir por muito mais tempo; mas enquanto existirem, receberão roupas, alimentos e abrigo, desde que se mantenham afastados da sala de controle e da sala do motor.

 – Ele está nos aposentando, Greg! – berrou Donovan. – Faça alguma coisa! É humilhante!

– Ouça, Cutie. Não podemos permitir isto. Somos os patrões! Esta Estação foi criada por seres humanos como nós; seres humanos que vivem na Terra e em outros planetas. A Estação é apenas um posto distribuidor de energia. E você é apenas um… Ora, bolas!

Cutie meneou gravemente a cabeça.

– Trata-se de uma obsessão. Por que insistem em encarar a vida sob um ponto de vista tão falso? Admitindo que os não-robôs sejam desprovidos da faculdade de raciocinar, ainda resta o problema de…

Sua voz sumiu, dando lugar a um silêncio introspectivo. Donovan murmurou em tom veemente: – Se você tivesse uma cara de carne e osso, eu a partiria!

Powell cofiou o bigode, franzindo a testa.

– Ouça, Cutie. Se a Terra não existe, como pode explicar o que você vê através do telescópio?

– Perdão!

O homem sorriu.

– Apanhei-o, hem? Desde que foi montado, Cutie, você fez uma série de observações telescópicas. Reparou que vários daqueles pontos luminosos se transformam em discos, quando vistos através das lentes?

– Oh, isso! Certamente. É um simples aumento, para permitir que o raio seja dirigido com maior exatidão.

– Então, por que as estrelas não são aumentadas da mesma maneira?

– Refere-se aos outros pontos? Bem, não dirigimos raios para eles, de modo que não é necessário aumentá-los. Na verdade, Powell, até mesmo você deveria ser capaz de descobrir essas coisas por si próprio.

Powell ergueu os olhos, desanimado.

– Mas, através do telescópio, você vê mais estrelas.

De onde vêm elas? Com os diabos, Cutie, de onde vêm elas? Cutie ficou irritado.

– Escute, Powell. Pensa que vou perder meu tempo tentando arranjar interpretações físicas para todas as ilusões de óptica causadas por nossos instrumentos? Desde quando a evidência fornecida por nossos sentidos pode competir com a luz clara do raciocínio lógico?

– Ouça – exclamou repentinamente Donovan, livrando-se do braço metálico amistoso, porém pesado, de Cutie. – Vamos ao âmago do assunto. Qual a razão de ser dos raios? Estamos lhe dando uma explicação válida e lógica. Pode arranjar outra melhor?

– Nossos raios são produzidos pelo Mestre para seus próprios desígnios – foi a resposta convicta. Cutie ergueu devotamente os olhos, acrescentando: – Há certas coisas que não nos cabe indagar. Nesse sentido, procuro apenas servir, sem tentar discutir.

Powell sentou-se vagarosamente, escondendo o rosto nas mãos trêmulas.

– Saia daqui, Cutie. Saia e deixe-me pensar.

– Mandar-lhes-ei comida – declarou Cutie, em tom amável.

A única resposta, quando o robô saiu, foi um gemido desanimado.

– Greg – foi a observação murmurada por Donovan em voz rouca – a situação exige estratégia. Precisamos apanhá-lo quando ele menos esperar e provocar um curto-circuito. Ácido nítrico concentrado nas juntas e…

– Não seja idiota, Mike. Acha que ele permitirá que nos aproximemos dele com ácido nas mãos? Precisamos falar com ele. É o que lhe digo. Temos de convencê-la a permitir que voltemos à sala de controle, dentro de quarenta e oito horas, ou nosso caldo estará definitivamente entornado.

Balançou-se para frente e para trás, mergulhado numa impotência agoniada.

– Quem, diabo, quer argumentar com um robô?… É… é…

– Mortificante – completou Donovan.

– Pior!

– Bolas! – exclamou Donovan, rindo de repente. – Por que argumentar? Vamos dar-lhe uma lição! Vamos construir um robô diante de seus olhos. Então, ele será obrigado a engolir tudo o que disse.

Um sorriso surgiu lentamente no rosto de Powell.

Donovan acrescentou: – S6 quero ver a cara daquele idiota quando vir o que vamos fazer!

Os robôs são fabricados na Terra, naturalmente; todavia seu transporte através do espaço é muito mais simples quando feito sob a forma de peças avulsas, que devem ser montadas no local de utilização. Por outro lado, tal processo evita que robôs inteiramente montados possam andar a esmo pela Terra. Tal fato colocaria a U. S. Robôs em confronto com as severas leis que proíbem o uso de robôs na Terra.

Ainda assim, o fato fazia com que a necessidade de montar robôs completos recaísse sobre homens como Powell e Donovan, que enfrentavam uma tarefa complicada e difícil.

Nunca Powell e Donovan tiveram tanta consciência disso quanto no dia em que, juntos na sala de montagem, entregaram-se ao trabalho de criar um robô sob o olhar atento de QT-1, Profeta do Mestre.

O robô em questão, um simples modelo MC, estava deitado sobre a mesa, quase completo. Três horas de trabalho foram suficientes para montá-lo, com exceção apenas da cabeça. Powell enxugou a testa e olhou hesitante para Cutie.

A atitude deste não era animadora. Durante três horas, Cutie permanecera sentado, silencioso e imóvel; seu rosto, sempre inexpressivo, parecia absolutamente indecifrável.

Powell disse quase num gemido: – Agora, vamos montar o cérebro, Mike!

Donovan abriu a caixa hermeticamente selada e dela retirou um segundo cubo, que ali se encontrava em banho de óleo. Abrindo o cubo, removeu um globo do envoltório de espuma de borracha. Manipulou-o com o máximo cuidado, pois tratava-se do mais delicado mecanismo que o homem já fabricara. No interior da “pele” de folha de platina que envolvia o globo, estava um cérebro positrônico, em cuja estrutura delicadamente instável encontravam-se os circuitos neurônicos especialmente calculados, que imbuíam cada robô do que se poderia considerar uma espécie de educação pré-natal.

Encaixava-se com exatidão na cavidade do crânio do robô que estava em cima da mesa. A placa de metal azulado foi fechada sobre ele e hermeticamente soldada com o minúsculo maçarico atômico. Os olhos fotoelétricos foram minuciosamente instalados, fortemente aparafusados no lugar e cobertos por uma película fina e transparente de plástico duro como aço.

O robô aguardava apenas a “vitalização” por intermédio de eletricidade de alta voltagem. Powell parou, com a mão no interruptor.

– Agora, veja isto, Cutie. Observe com atenção.

O interruptor foi ligado, dando origem a um zumbido. Os dois homens debruçaram-se ansiosamente sobre a criatura.

No início, houve apenas um movimento vago e um tremor nas juntas. A cabeça se ergueu, o corpo foi levantado pelos cotovelos. O modelo MC levantou-se desajeitadamente da mesa. Pisava com insegurança e por duas vezes seus esforços para falar reduziram-se a sons desencontrados.

Afinal, a voz tomou forma, hesitante e insegura.

– Gostaria de começar a trabalhar. Para onde devo ir?

Donovan correu para a porta.

– Desça esta escada – ordenou. – Lá embaixo lhe dirão o que deve fazer.

O modelo MC saiu e os dois homens ficaram a sós com Cutie, que continuava imóvel.

– Bem – disse Powell, sorrindo. – Agora, acredita que nós o fizemos?

A resposta de Cutie foi lacônica e definitiva: – Não! – declarou ele.

O sorriso de Powell petrificou-se e logo desapareceu totalmente.

O queixo de Donovan caiu.

– Vejam – prosseguiu Cutie, com naturalidade. – Vocês se limitaram a montar peças pré-fabricadas. Trabalharam notavelmente bem, por instinto, creio, mas não criaram realmente um robô. As peças foram criadas pelo Mestre.

– Ouça bem – disse Donovan, em voz rouca – as peças foram fabricadas na Terra e enviadas para cá.

– Bem, bem – respondeu Cutie, em tom condescendente. – Não vamos discutir.

– Não! Estou falando sério – disse o homem, avançando de um salto e segurando o braço do robô. – Se você lesse os livros existentes na biblioteca, encontraria a explicação e não restaria qualquer dúvida possível.

– Os livros? Já os li, todos eles! São bastante ingênuos.

Powell interrompeu repentinamente.

– Se já os leu, que mais resta a dizer? Não pode discutir as provas apresentadas por eles. Não pode!

Havia piedade no tom de Cutie: – Por favor, Powell. Certamente, eu não os considero uma fonte válida de informações. Também foram criados pelo Mestre e são destinados a vocês – não a mim.

– Por que julga assim? – quis saber Powell.

– Porque eu, na qualidade de ser racional, sou capaz de deduzir a Verdade partindo de causas a priori. Vocês, na qualidade de seres inteligentes, mas desprovidos de capacidade de raciocínio lógico, precisam que a explicação da existência lhes seja fornecida. E foi o que o Mestre fez. Não tenho dúvidas de que as informações ridículas sobre mundos longínquos e povos estranhos são benéficas para vocês. É bem provável que tenham uma mente muito primitiva para absorver a dura Verdade. Entretanto, já que o Mestre deseja que acreditem nos livros, não mais discutirei com vocês.

Ao sair, virou-se uma última vez e disse em tom bondoso: – Mas não fiquem tristes. No sistema arquitetado pelo Mestre há lugar para todos. Vocês, pobres seres humanos, terão seu lugar, embora humilde. Caso se comportem devidamente, serão recompensados.

Partiu com uma atitude beatifica, bem conveniente a um Profeta do Mestre. Os dois homens evitaram olhar-se.

Afinal, Powell falou, com evidente esforço: – Vamos para a cama, Mike. Desisto.

Donovan replicou em voz baixa: – Greg, não acha que ele tem razão a respeito de tudo isso, não é? Ele me parece tão confiante que eu…

Powell virou-se vivamente: – Não seja idiota. Você terá a certeza de que a Terra existe, quando nossos substitutos chegarem, na próxima semana, e tivermos de regressar à Terra para enfrentar a realidade.

– Então, pelo amor de Deus, temos de fazer alguma coisa – retrucou Donovan, quase chorando. – Cutie não acredita em nós, nem nos livros, nem em seus próprios olhos.

– De fato – replicou Powell, amargurado. – Ele é um robô raciocinante. Maldito seja! Só acredita em raciocínio lógico. E há uma dificuldade a respeito…

Não terminou a frase.

– Qual é a dificuldade? – insistiu Donovan.

– É possível provar tudo o que se deseja por um raciocínio lógico e frio, desde que se escolham os postulados convenientes. Nós temos os nossos e Cutie tem os dele.

– Então, precisamos arranjar postulados depressa. A tempestade de elétrons deve chegar amanhã.

Powell exalou um suspiro cansado.

– Ai é que a porca torce o rabo. Os postulados são baseados em suposição e adotados pela fé. Nada no Universo é capaz de abalá-los. Vou para a cama.

– Oh, diabo! Não consigo dormir!

– Nem eu. Mas vou tentar, por uma questão de princípio.

Doze horas mais tarde, o sono continuava a ser exatamente isso: uma questão de princípio, inatingível na prática.

A tempestade chegara na hora prevista e o rosto vermelho de Donovan estava muito pálido, quando ele apontou com um dedo trêmulo. Powell, com a barba crescida e a boca seca, olhou pela vigia e puxou desesperadamente a ponta do bigode.

Em outras circunstâncias, seria um espetáculo belíssimo. A chuva de elétrons em alta velocidade chocava-se com o raio de energia, transformando-se em partículas fluorescentes de intensa luminosidade. O raio estreitava até quase sumir, desfazendo-se em átomos brilhantes, que dançavam loucamente no espaço.

Embora o facho de energia permanecesse firme, os dois homens conheciam o valor das aparências visíveis a olho nu. Um simples desvio equivalente a um arco de milésimo de segundo – invisível ao olho humano – seria o suficiente para tirar o raio totalmente de foco e transformar milhares de quilômetros quadrados da superfície da Terra em ruínas incandescentes.

E um robô, despreocupado com raios, com o foco, com a Terra, ou com qualquer coisa que não fosse o seu Mestre, estava cuidando dos controles.

Passaram-se horas. Os dois homens observavam o espetáculo, mergulhados num silêncio hipnotizante. Então, os minúsculos pontos luminosos que riscavam o espaço tornaram-se menos numerosos, perderam o brilho e desapareceram. A tempestade terminara.

Powell declarou secamente: – A tempestade terminou.

Donovan deixara-se cair num torpor inquieto e os olhos de Powell o examinaram com certa inveja. A lâmpada de sinalização piscava incessantemente, mas Powell não lhe deu a menor atenção. Nada importava! Nada! Talvez Cutie tivesse razão, e ele não passasse de um ser inferior, com uma memória feita sob medida e uma vida que já não tivesse razão de ser.

Powell desejava que assim fosse!

Cutie surgiu ante ele.

– Você não respondeu ao sinal, de modo que resolvi entrar – declarou em voz baixa. – Parece não estar passando bem e temo que seu período de existência esteja chegando ao fim. Ainda assim, gostaria de examinar alguns dos registros anotados hoje?

Powell percebeu vagamente que o robô esboçava um gesto amistoso, talvez para compensar algum remorso por forçar os homens a se afastarem do controle da Estação Solar. Pegou os registros e examinou-os distraidamente, sem vê-los.

Cutie parecia satisfeito.

– Naturalmente, é um grande prazer servir ao Mestre. Você não deve ficar triste por ser substituído.

Powell soltou um grunhido e passou mecanicamente de uma folha para outra, até que seus olhos se focalizaram numa fina linha vermelha que traçava uma trajetória irregular no papel milimetrado.

Olhou com atenção e esbugalhou os olhos. Agarrou o papel com força, com ambas as mãos, e se ergueu da poltrona, com os olhos ainda muito abertos.

– Mike! Mike! – gritou, sacudindo violentamente o companheiro. – Ele manteve o raio firme!

Donovan acordou.

– O quê? Onde…?

Então, também Mike Donovan arregalou os olhos ao examinar o registro.

Cutie interrompeu: – O que há de errado?

– Você manteve o raio no foco – murmurou Powell.

– Sabia disso?

– Foco? De que está falando?

– Você manteve o raio focalizado exatamente na estação receptora. Dentro de um limite de um milésimo de segundo de arco.

– Que estação receptora?

– Na Terra. A estação receptora na Terra – gaguejou Powell. – Você manteve o raio no foco…

Cutie girou nos calcanhares, visivelmente irritado.

– É impossível tomar qualquer atitude bondosa para com vocês dois. Sempre o mesmo fantasma! Limitei-me a manter os mostradores em equilíbrio, de acordo com a vontade do Mestre.

Juntando os papéis espalhados em cima da mesa, retirou-se com grande dignidade. Donovan murmurou, quando ele saiu: – Bem, macacos me mordam!

Virou-se para Powell, indagando: – Que faremos, agora?

Powell sentia-se cansado, mas animado.

– Nada. Ele acaba de mostrar que é capaz de administrar perfeitamente a Estação. Nunca vi uma tempestade de elétrons tão bem controlada.

– Mas nada foi resolvido. Você ouviu o que ele disse a respeito do Mestre…

– Ouça, Mike: ele segue as instruções do Mestre por meio de mostradores, instrumentos e gráficos. É exatamente o que nós sempre fizemos. Na realidade, o fato explica por que motivo ele se recusou a obedecer-nos. Obediência é a Segunda Lei. A primeira refere-se a não causar mal aos seres humanos. Como pode ele evitar que os seres humanos sofram algo, quer esteja ou não consciente disso? Ora, mantendo o raio de energia em foco estável.

Ele sabe que é capaz de mantê-la mais estável do que nós, uma vez que é um ente superior a nós; portanto, sente-se obrigado a manter-nos afastados da sala de controle. É uma coisa inevitável, levando-se em consideração as Leis da Robótica.

– Claro, mas isso não vem ao caso. Não podemos permitir que ele continue com essas tolices a respeito do Mestre.

– Por que não?

– Porque ninguém ouviu falar em semelhante tolice!

Como podemos confiar-lhe a Estação Solar, se ele não acredita na existência da Terra?

– Ele é capaz de controlar a Estação?

– É. Mas…

– Então, que diferença faz a sua crença?

Powell abriu os braços, com um vago sorriso no rosto, e deixouse cair de volta na cama. Adormeceu instantaneamente.

Powell falava enquanto vestia o leve casaco espacial: – Deve ser uma tarefa bem simples. Podem trazer os novos modelos QT, equipá-los com interruptor automático para uma semana, a fim de dar-lhes tempo para aprender a… bem… o culto do Mestre, pela própria boca do Profeta. Depois, basta levá-los para outra Estação e tornar a ligá-los. Podemos ter dois robôs QT por estação e…

Donovan abriu seu visor de glassite e franziu a testa.

– Ora, cale a boca e vamos cair fora daqui. A turma de substituição está esperando e não me sentirei bem até ver novamente a Terra e tornar a sentir o solo sob meus pés, s6 para ter certeza de que é verdade.

A porta se abriu, enquanto ele falava, e Donovan, amuado, deu as costas a Cutie. O robô se aproximou silenciosamente e disse, num tom de voz que exprimia tristeza: – Vão embora?

Powell assentiu laconicamente.

– Virão outros em nosso lugar.

Cutie suspirou, com o som do vento zumbindo por entre os fios muito juntos.

– Compreendo. Seu tempo de serviço chegou ao fim e está na hora da dissolução final. Eu já esperava, mas… Bem, a vontade do Mestre será cumprida!

Seu tom de resignação irritou Powell.

– Pode poupar sua simpatia, Cutie. Vamos voltar à Terra e não à dissolução.

– É melhor que pensem assim – replicou Cutie, suspirando outra vez. – Agora, compreendo a sabedoria da ilusão. Jamais tentaria abalar a fé de vocês, mesmo que fosse possível.

Partiu. Era a própria encarnação da comiseração.

A nave de substituição estava ancorada lá fora e Franz Muller, seu comandante, saudou-os com cortesia. Donovan fez uma rápida continência e entrou no compartimento de pilotagem, a fim de substituir Sam Evans nos controles.

Powell demorou-se um pouco junto a Muller.

– Como está a Terra?

Era uma pergunta bastante convencional e Muller deu a resposta também convencional: – Ainda girando.

Powell replicou: – Ótimo.

Muller encarou-o.

– Por falar nisso, o pessoal da U. S. Robôs inventou um novo tipo. Um robô múltiplo.

– Um quê?

– O que eu disse. Assinaram um grande contrato para produzi-lo. Deve ser exatamente o que estão precisando para as minas dos asteroides. Um robô-mestre, que comanda seis sub-robôs. Como os dedos de uma mão…

– Já foi submetido aos testes práticos? – indagou Powell, com evidente ansiedade.

Muller sorriu: – Pelo que ouvi, estão esperando por vocês.

Powell cerrou os punhos.

– Diabo! Estamos precisando de umas férias.

– Oh, terão férias. Duas semanas, creio.

Muller estava calçando as pesadas luvas espaciais, preparando-se para o seu período de serviço na Estação Solar Cinco. Franziu a testa.

– Corno vai indo o novo robô? Acho melhor que seja bom, ou quero ser mico de circo se permitirei que encoste nos controles!

Powell fez uma pausa antes de responder. Seu olhar observou atentamente o orgulhoso prussiano postado diante dele, desde o cabelo cortado rente à cabeça de formato teimoso, até os pés colocados em rígida posição de sentido, e sentiu-se invadido por uma súbita onda de alegria.

– O robô é ótimo – declarou, falando devagar. – Não creio que você tenha de se preocupar muito com os controles.

Sorriu e entrou na nave. Muller passaria várias semanas na Estação…

Crônica – “Autorretrato”, de Rafael Fava Belúzio

Diz o espelho: 

Rafael Fava Belúzio é um prosador medíocre. Desses de ilusões perdidas. Assinou algumas crônicas que podem revelar certo conhecimento de formas e tradições – mas os críticos dizem que nele falta originalidade e sobre parasitismo intelectual. Rafael teima em não escutar essa lição e a todo momento oferece mesquinhas produções nesse gênero menor, a crônica.

Rafael passa por cronista frequente. Na realidade, quase nenhum escrito pertence a ele. Com efeito, quem examinar seu texto verificará que se trata tão-somente de repetição sistemática de cronistas brasileiros. E alguns outros textos, inclusive poemas, recontextualizados no tempo e no espaço. Não há nisso crônica alguma, boa ou má. Há apenas a paródia-paráfrase-pastiche de alguns escritos que podem ser encontrados em qualquer volume de história da literatura brasileira.

Esse pequeno fato – literário? – faz despertar em alguns julgadores a suspeita de que se trata de um plagiador. Há por vezes a impressão de que Rafael se diverte com essa conversa miúda, fofoca e opinião a seu respeito: “É um burro”, “É um louco”, “É inferior a uma carniça”.

Alguns traços – pessoais? – do referido escritor contribuem para aumentar as dúvidas. Rafael é um indivíduo oculto, como certos sujeitos de oração, ausente mesmo, usa no trato social palavras poucas e frias. Não é visto em festas. Uns o acham autista; outros, enrustido. Em geral, não ri.

Como professor, dizem que pode ser visto falando aqui e ali o que já foi dito por Álvares de Azevedo e Paulo Leminski. Alguns prejudicados pelas notas do professor o caluniam como se ele não fosse uma personagem, ou insinuam que toda sua atividade é fictícia, e que os alunos caminhariam da mesma maneira, ou melhor, se ele, em vez de lecionar, fosse a uma sessão de cinema. Outro ponto a esclarecer.

Rafael Fava Belúzio

Não há muito o que dizer sobre Rafael, que já não tenha sido dito na crônica aqui disponibilizada. A não ser que é o autor de seu próprio texto, que agora você lê.

Não há muita coisa interessante na vida de Rafael, e ele concorda com isso. Tem explorado largamente o fato de ter nascido em Carangola, cidade mineira de coisa nenhuma, como se isso constituísse uma singularidade. Dizem que o prosador imitador de poeta alimenta recusas, entre elas a recusa da novidade. Vive na velha Carangola, rompendo a tradição da ruptura, vive com os mortos, já deixou de ser uma originalidade. 

É, pelo menos, um sujeito esquisito. 

1929 e a “literatura especializada”

A crônica “Autorretrato” é uma das 29 que compõem o livro 1929, de Rafael Fava Belúzio, publicado em 2021, pela editora Impressões de Minas, de Belo Horizonte. Para leitores pouco acostumados com o gênero, ou que estão pouco acostumados com a tradição e a historiografia literária nacional, as crônicas de Belúzio podem ser obscuras. Porém, para os que já têm certa familiaridade com este “gênero menor”, e também para aqueles inseridos nas discussões a respeito de influência, intertextualidade e formação da literatura brasileira, a coletânea de Belúzio é uma dessas joias da crônica contemporânea no Brasil. 

O livro pode ser adquirido no site da editora.

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Título: 1929
Autor:
Rafael Fava Belúzio
Editora:
Impressões de Minas.
Ano: 2021

Três poemas de “Educação pela pedra”, de João Cabral de Melo Neto

Há certa convenção de que Educação pela pedra é o livro no qual o poeta João Cabral de Melo Neto levou mais longe sua “engenharia poética”. Livro formado por vinte e quatro poemas com uma simetria que encanta – sendo quatro seções, de seis poemas cada e muitas repetições de forma e de sentido –, o livro lançado em 1966 é considerado um marco divisório para a lírica de Cabral, para a qual elementos que vinham sendo apresentados em obras anteriores ganham uma dimensão diferente e um tanto quanto desafiadoras. Educação pela pedra conta ainda com alguns dos poemas mais emblemáticos e aclamados do autor pernambucano, entre os quais estão o próprio poema homônimo: “Educação pela pedra”, mas também “O sertanejo falando”, “Tecendo a manhã” e “Catar feijão”.

Na publicação de hoje, resolvi trazer outros textos também de altíssima qualidade e que fogem um pouco dessa “santíssima quaderna” que está presente no livro de 1966: “Duas das festas da morte”, “O urubu mobilizado” e “A fumaça no Sertão”. Os três fazem parte da primeira seção do livro de Cabral – intitulada Nordeste A – e versam sobre alguns dos temas mais caros ao escritor: a morte e a vida sertaneja, já canonizada em sua lírica, pelo menos desde Morte e vida Severina.

No mais, espero que vocês aproveitem a leitura!

Duas das festas da morte

Recepções de cerimônia que dá a morte:
o morto, vestido para um ato inaugural;
e ambiguamente: com a roupa do orador
e a da estátua que se vai inaugurar.
No caixão, meio caixão meio pedestal,
o morto mais se inaugura do que morre;
e duplamente: ora sua própria estátua,
ora seu próprio vivo, em dia de posse.

Piqueniques infantis que dá a morte:
os enterros de criança no Nordeste:
reservados a menores de treze anos,
impróprios a adultos (nem o seguem).
Festa meio excursão meio piquenique,
ao ar livre, boa para dia sem classe;
nela, as crianças brincam de boneca,
e, aliás, com uma boneca de verdade.

O urubu mobilizado

Durante as secas do Sertão, o urubu,
de urubu livre, passa a funcionário.
O urubu não retira, pois prevendo cedo
que lhe mobilizarão a técnica e o tacto,
cala os serviços prestados e diplomas,
que o enquadrariam num melhor salário,
e vai acolitar os empreiteiros da seca,
veterano, mas ainda com zelos de novato:
aviando com eutanásia o morto incerto,
ele, que no civil que o morto claro.

Embora mobilizado, nesse urubu em ação
reponta logo o perfeito profissional.
No ar compenetrado, curvo e conselheiro,
no todo de guarda-chuva, na unção clerical,
com que age, embora em posto subalterno:
ele, um convicto profissional liberal.

A fumaça no Sertão

Onde tampouco a fumaça encorpa muito;
onde nem pode o barroco mil folheiro
da mangueira matriarca, corpopulenta,
de que na Mata a fumaça finge o jeito.
Nem o barroco, mais torto mas rasteiro,
de quando a fumaça se faz em cajueiro.

Onde também a fumaça encorpa pouco;
onde nem pode encopar-se de tão rala,
tanto quanto o ar ralo por que arvora
o fio da árvore que pode, desfiapada.
Onde porém, porque não pode o barroco,
ela pode empinar-se essencial, unicaule;
unicaule, mas bem diversa do coqueiro,
incapaz de ir linheiro ao empinar-se;
unicaule mais bem de palmeira a prumo,
de uma palmeira coluna, sem folhagem.

Por onde começar a ouvir Clube da Esquina

Por conta do “Top 10 álbuns” lançado pelo Podcast Discoteca Básica, o álbum Clube da Esquina (1972) entra mais uma e outra vez nos debates e ouvidos da população, tendo assumido a primeira posição em uma lista que contou com mais de quatrocentos discos avaliados por especialistas. O resultado dessa avaliação está sendo divulgado aos poucos pelos produtores do podcast citado, mas será disponibilizado, em definitivo, com a publicação do livro Os 500 maiores álbuns brasileiros de todos os tempos.

Mas o que será que faz de Clube da Esquina um disco tão especial? Por onde começar a  a escutá-lo e, mais, quais os motivos de seu destaque entre os melhores álbuns brasileiros já lançados?

Certamente, não há uma resposta única para essas perguntas. Ainda assim, uma breve viagem pela trajetória que leva ao célebre álbum de 1972 pode ajudar a esclarecer um pouco mais sua produção e também sua relevância e impacto enquanto “maior disco brasileiro de todos os tempos”, nas palavras dos produtores do Discoteca Básica.

Foto: Reprodução / O Tempo

O que é o Clube da Esquina?

Essa é uma pergunta importante para começar a entender o projeto musical que envolve o elepê duplo de 72. Isso porque, para alguns especialistas na obra do Clube da Esquina – como Sheila Diniz e Luiz Henrique Garcia – o nome não se refere especificamente a este ou àquele álbum (lembrando aqui também o lançamento de Clube da Esquina 2, de 1978, por Milton Nascimento), mas sim a uma formação cultural ou, ainda, um tipo de movimento musical feito a partir de Minas Gerais.

Nesse sentido, além de grupos e identidades sonoras como a Bossa Nova, a Tropicália, a Canção de Protesto e a Jovem Guarda, por exemplo, todas que ocorrem com certa proximidade e participam de um processo de modernização musical no Brasil, o país teria conhecido também uma inflexão musical encabeçada por um coletivo de músicos e letristas que passaram sua juventude na cidade de Belo Horizonte, e que acabaram ficando conhecidos pelo nome Clube da Esquina, por conta de uma canção e de dois elepês (que os consagraram).

Agora, com toda certeza, se visto enquanto movimento ou formação cultural, esse Clube acaba sendo muito maior do que a produção restrita de um disco, mesmo porque – segundo uma divisão já canônica, proposta por Leandro Garcia – sua trajetória data de 1967 até 1979, isto é, de quando Milton Nascimento lança seu primeiro elepê – Travessia (1967) – até o momento de publicação dos últimos trabalhos coletivos dos artistas envolvidos com o álbum Clube da Esquina, de 1972.

Por onde começar a ouvir?

Vamos voltar à pergunta chave desta publicação: por onde começar a ouvir e a entender Clube da Esquina? Bem, para ela, existem pelo menos duas respostas simples: a primeira delas, um tanto quanto óbvia, é partir diretamente para a escuta do elepê duplo de 1972 – ir direto na raiz. Afinal de contas, ele é certamente uma síntese dos elementos que, aos olhos da crítica e da historiografia musical brasileira, fazem parte não apenas da sonoridade específica do Clube, como também da modernização da canção popular no país. 

Porém, é interessante fazer uma escuta um pouco mais atenta do que de costume, pensando que o Clube da Esquina contém uma multidão e que, como mencionado anteriormente, se estende por cerca de dez anos de produção. Então, coloque o disco para tocar, mas se pergunte também: o que afinal define essa musicalidade?

Aqui vai uma dica, que também é uma redução um tanto quanto brusca: é possível dizer que existem três elementos de destaque na obra “mineira” – a “mineiridade”, a coletividade e a contradição – que são justamente os gatilhos para um experimentalismo de difícil comparação na música popular.

É claro que cada um desses traços poderia ser discutido longamente, mas deixo aqui apenas a sugestão de encontrá-los durante uma audição do disco de 1972. Repare, por exemplo, como “mineiridade” e contradição se manifestam no uso dos muitos signos tradicionais do estado, que são conjugados com elementos chamados “modernos”. Essa mistura entre tradição “regional” e modernização está tanto na musicalidade (com o uso de apitos, coro, órgão e tambores, associados a violão, bateria, guitarra, baixo, teclados eletrônicos e sintetizadores), como também nas letras das canções, que falam de trens, janelas que dão para cemitérios, estradas, ruas de uma capital provinciana etc.

Agora, no que diz respeito à coletividade, é interessante conhecer um pouco mais sobre a obra de cada artista que participou do álbum. Porém, pensando que são dezesseis envolvidos nessa concepção musical, minha sugestão é você restringir sua pesquisa a alguns nomes célebres: Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes e o Som Imaginário, que cantam e tocam e dão o tom multifacetado que é encontrado em Clube da Esquina.

Isso nos leva para um caminho um tanto quanto paralelo àquele da primeira resposta, pois aponta para álbuns distintos do elepê duplo de 1972. Esses discos, no entanto, à sua própria maneira dão conta da produção musical mineira belo-horizontina e das tensões entre modernidade e tradição. Trata-se dos álbuns Milton (1970), assinado por Milton Nascimento; Som Imaginário (1970), do grupo de mesmo nome; Lô Borges (1972), do compositor homônimo; e Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta (1973), elepê que recebeu o nome de seus artistas.

Todas essas obras representam uma espécie de gestação musical pela qual os músicos e letristas “mineiros” estavam passando e, nesse ponto, pode-se dizer que são laboratórios. Ainda, repare como são trabalhos muito diferentes se comparados entre si, mas que, quando colocados ao lado de Clube da Esquina, encontram uma estranha sintonia com ele, em canções que funcionam como espelhos ou fragmentos de um mesmo mosaico.

Cada vez mais Clube da Esquina

Como se trata de um álbum duplo, com suas boas 21 canções, é bem comum descobrir novas faces e movimentos a cada vez que voltamos ao Clube, o que fica ainda melhor quando somos orientados a perceber alguns pequenos detalhes e também a colocar o elepê em paralelo com outras produções contemporâneas. Com o tempo, começam a saltar aos ouvidos elementos como os vocais de apoio e a guitarra de Beto Guedes; os momentos épicos e sombrios do piano de Wagner Tiso (em canções como “Cais” e “Um gosto de sol”); o surrealismo das paisagens construídas pelas canções de Lô Borges, que contrastam com o tom político e ritualístico encampado por Milton; etc.

Se realmente é o “melhor disco brasileiro de todos os tempos” é difícil dizer, porque esses juízos são sempre limitados e duvidosos, ainda que embasados em alguma medida. Mas sem dúvida alguma com Clube da Esquina estamos diante de uma obra prima da canção moderna e popular no Brasil, além de ser um dos discos sem os quais minha vida e minhas experiências estéticas estariam mais pobres. Com isso, fica, outra vez, o convite à escuta: escute Clube da Esquina!

https://www.youtube.com/watch?v=WwTf61AZNEo&t=51s
Texto por Gabriel Reis Martins
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