“À Deriva”

Há alguns dias ou semanas, lembro-me de ter visto em algum portal digital uma reportagem sobre um determinado ponto do Oceano Pacífico cuja localidade exata guardaria a maior distância com relação a qualquer porção de terra continental na face do planeta. Se me recordo com alguma precisão, havia menção a uma tendência de maior migração de animais marinhos e aves, dirigindo-se a esse ermo absoluto por diversas razões relacionadas à ação antrópica, como a pesca predatória e uma maior concentração de poluentes nas águas e no ar.

Imaginei-me sentado de pernas cruzadas neste exato ponto, como que flutuando por sobre a mais vasta imensidão do oceano, sentindo o fluxo das correntes marítimas sob minhas pernas, sem me afundar na água ou ser violentamente dilacerado pela vida animal que pouco tomaria nota da minha presença inútil ali. Imagino-me assim, pois, em um completo estado de distanciamento, de olhos bem abertos, experienciando a mais terrivelmente sublime das imensidões solitárias e das solidões imensas do ser.

Assim naufrago no isolamento ensimesmado dentro de meu próprio desengano, mas com a sutil diferença de sentir a traição dos sentidos, pois que eles não me permitem ausentar-me a essa maneira da grande máquina que gira à revelia de qualquer intervenção – humana, animal, cósmica ou divina. A atração gravitacional que assola os impulsos do meu corpo em direção a essa roda incessante faz do retorno ambiguidade: em qual dos dois estados se estaria mais próximo da realidade?

Levantar o olhar novamente através das grades da janela para a maré de prédios sob a cacofônica rapsódia de construções civis, veículos automotores e vozes alheias fez cruzar em meus pensamentos versos daquele a quem gosto de apelidar “O Poeta Desterrado”:

Eu me engano: a região esta não era; 
Mas que venho a estranhar, se estão presentes 
Meus males, com que tudo degenera. 

É de muito difícil compreensão e racionalização a experiência do isolamento. Criou-se uma dependência vital de controle, planejamento, que por ora escapa completamente às nossas ações e segue rumo peremptório desconhecido – talvez muito mais próximo do retorno ao vazio imenso do qual somos provenientes do que se possa prever ou sequer imaginar. A completa modificação do espaço se confunde com a total virgindade da paisagem oceânica: daqui, de dentro, o que altera a experiência, o que degenera o espaço com o qual convivemos é o olhar atordoado de quem se viu perdido em um universo de rumos randômicos.

Não há, nem aqui, nem lá, possibilidade de construção de sentido – por mais que se empenhe toda a energia humana na construção deste trilho, a distância (aparente ou não) é infinita, e a terra firme não passa de uma ilusão. Sinto como se o fluxo das correntes marítimas naquele ponto, o mais distante do oceano, fosse subitamente interrompido, e meu corpo, atônito, finalmente afundasse.

13 de abril de 2021.


Devaneios de um viajante solitário

Em tempos de isolamento, a conexão pela palavra é a potência. Crônicas com as quais se possa identificar e a partir das quais se possa refletir, parar tirar de si aquilo que há de latente e encarar de frente, nunca mais desistir. Vamos juntos pelas ruas tortas desse mundo, de mãos dadas.

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