Resenha – Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski

O pior castigo do homem é sua consciência

Crime e Castigo (1886) é considerada uma das maiores obras da literatura mundial, e segue tendo grande influencia na literatura devido ao seu caráter caótico e impecável ao apresentar ao leitor a condição humana de forma bruta. Aliás, o marcante existencialismo presente na obra é visto também na maior parte (talvez em todas) das obras de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), com uma escrita desordenada, personagens complexos e anti-heróis antipáticos, irritantes e um tanto “antissociais”.

Nesse livro, o autor russo conta a história de Rodion Românovitch Raskólnikov, um jovem estudante de Direito que se muda para a São Petersburgo do século XIX, forçado a abandonar os estudos devido a falta de recursos financeiros e se limitando a uma rotina monótona, recluso em seu pequeno e sombrio quarto de pensão, sozinho com seus devaneios. A fim de conseguir algum dinheiro para se sustentar, Raskólnikov penhorava objetos pessoais com Aliona Ivanóva, uma usuária mesquinha e rabugenta pela qual ele nutria completa aversão. Rodion tinha uma teoria própria de que um crime, se cometido por uma pessoa extraordinária que almeja um bem maior (sendo Napoleão um exemplo de pessoas assim, para o anti-herói), seria algo perdoável, e o próprio autor do crime em nada seria afetado (psicologicamente). Raskólnikov, curioso para saber se é uma pessoa Extraordinária ou não e pensando realizar algo para o “bem maior”, passa a planejar o assassinato da velha Aliona com uma espécie crescente de incredulidade, que só desaparece quando enfim o ato é efetivado. Mas o verdadeiro crime ocorre quando Lizavieta, irmã da usuária, entra em cena e precisa ser morta para que não haja testemunhas da morte da velha – Crime cometido, dinheiro e joias roubadas, fuga perfeita.

Durante o restante do livro, acompanhamos então o Castigo de Raskólnikov: ele não faz uso do montante ou das joias roubadas, doando seu próprio dinheiro a pessoas que precisavam e, assim, permanecendo no estado de pobreza inicial, sem nenhuma intenção de melhorar suas condições de vida. E, apesar de afirmar não se arrepender do que fez, tantos são os conflitos internos que o protagonista passa a ter delírios, adoece e perambula sem destino pela cidade, sempre parecendo desejar confessar seu crime a alguém que o absolva de alguma forma. Essa figura é encontrada em Sônia Marmeladova, prostituta e cristã fervorosa, filha de um alcoólatra (Semion) que Rodion conhece por acaso em um bar:

Nela ele procurava um ser humano quando estava precisando de um ser humano; daí que ela o acompanharia aonde o destino mandasse.

Principais impressões

Primeiro, tenho que confessar que apesar do crime e do gênio odioso de Raskólnikov, segui torcendo por ele durante todo o livro. Seu sofrimento era tão intenso, sua angústia tão notável e sua condição tão humana, que foi difícil não acolhê-lo. E eis o aspecto que fez dessa leitura algo extraordinário para mim: a forma como Dostoiévski é impecável ao mostrar que seus personagens, na realidade, podem ser vistos em nós mesmos de alguma forma. Também nós não cometemos atos por nos pensarmos superiores? E, depois, também não nos torturamos com isso? Não procuramos em outros o que falta em nós? E a todos nós a consciência não castiga em algum momento da vida? Claro, na obra somos apresentados ao extremo da condição humana, mas não é difícil uma identificação.

O sofrimento e a dor são sempre obrigatórios para uma consciência ampla e um coração profundo. Os homens verdadeiramente grandes, a meu ver, devem experimentar uma grande tristeza no mundo.

Outro ponto interessante da leitura foi que a história se passa dentro de 3 ou 4 meses, mas a impressão que se têm é que apenas alguns dias se passaram, tal é a imersão que temos com todo o processo psíquico do protagonista. O tempo passa, mas ao mesmo tempo têm-se uma estagnação. Dessa forma, as quase 600 páginas da obra se transformam, no fim, em um piscar de olhos.

Por fim, um ponto negativo para mim foi a frequência com que Sônia aparece na história. Apesar de os momentos em que ela se encontra com Raskólnikov serem muito significantes e de grande profundidade para os dois, senti falta de conhecer mais sobre a personagem e sobre sua relação com Rodion, de forma que ficou um tanto vago para mim a razão de tão forte conexão entre eles. Mas apesar disso, a história sobre o castigo de um homem que se achava extraordinário foi, para mim, uma das melhores já lidas, fazendo jus a sua fama.

Deus dê paz aos mortos, porque aos vivos ainda resta viver!

Resenha – “Toradora”, de Yuyuko Takemiya

Traído pela nostalgia

Terminei de ler recentemente a nostálgica light novel de Toradora, escrita por Yuyuko Takemiya, obra de 10 volumes, que me deixou com sentimentos conflitantes.

Um curiosidade divertida é que, para quem não sabe, a história foca em um menino, Ryuuji, e em uma menina, Taiga. E o nome da obra vem da brincadeira com estes nomes: Taiga se pronuncia da mesma forma que “tigre” em inglês – Tiger – então é utilizado o nome “tigre” em japonês – TORA (虎). Ryuu (竜), de Ryuuji, significa Dragão e vem da pronúncia de Dragon, do inglês: no japonês é Do-ra-gon – de onde se tirou o DORA. Então é daí que veio o nome: TORADORA! (とらドラ!).

Enfim, o livro é a fonte em que o anime se baseou, então sempre tive muita vontade de ler essa belezinha, por ter tanto carinho pelo anime. Pois bem… não sei se minha memória me engana, ou se meus gostos mudaram, ou se foi o livro mesmo que não me agradou tanto quanto o anime. De qualquer forma, deixo aqui as minhas impressões.

Abaixo, coloquei a segunda abertura do anime para vocês curtirem enquanto leem!

Segunda abertura do anime Toradora!

Personagens e gatilho da narrativa

A narrativa é uma comédia romântica que envolve os dois personagens mencionados. Ryuuji é filho de uma mãe solteira e jovem. Não se sabe o paradeiro de seu pai (apenas que teria algo relacionado à Yakuza?), mas ele possuía características amedrontadoras, que Ryuuji acabou herdando, como seus “olhos furiosos”. Para a infelicidade do filho, esses olhos causaram (e causam) vários mal entendidos. 

Já Taiga é filha de pais divorciados e ricos, mas não possui uma boa relação com nenhum dos dois. Ambos os pais davam tudo que a filha queria para que ela vivesse por conta própria, negligenciando os sentimentos da garota e no fundo buscando apenas a própria felicidade. Por isso, Taiga é uma garota atrapalhada e solitária, mas também é forte e se esforça para ser independente. Por ser muito baixinha, feroz e pela pronúncia de seu nome (tigre em inglês, como eu expliquei), ela é temida e apelidada pelos colegas como “tigresa de bolso”.

A história dos dois começa e se desenvolve quando, em um acidente, Ryuuji descobre que Taiga é apaixonada pelo seu melhor amigo. Ao mesmo tempo, Taiga percebe que Ryuuji está apaixonado por sua melhor e única amiga. Depois de algumas confusões e disputas iniciais, eles combinam de fazer uma trégua para se ajudarem, um ao outro, na conquista de suas respectivas paixões. E é claro que a partir daí muitas desavenças e descobertas acontecem e colocam a trama para caminhar e nos divertir.

O sorriso do dragão

Olha, o que eu achei positivo é que a trama é realmente divertida em alguns momentos e é bem legal ver o relacionamento dos personagens crescendo ao longo da história. Além disso, tem a nostalgia e o carinho do anime, que retornam em certas cenas, e isso foi reconfortante durante a leitura. Também, é ótimo ter muito mais detalhes sobre toda a obra – cenários, personagens, detalhes etc. – em comparação com a adaptação para o anime.

A lágrima do tigre

Mas acho que tive mais desconfortos do que alegria, e, por se tratar de um texto escrito, muita coisa acaba podendo ser mal interpretada ou confusa.

Eu normalmente gosto muito de toda a dublagem, da trilha sonora e da animação, e a falta dela fez com que as cenas que eram para ser supostamente engraçadas ou não fazem muito sentido ou são demasiadamente violentas. Por exemplo, em um episódio em que Taiga bate em Ryuuji, uma cena típica de comédia na mídia japonesa, a escrita é tão detalhada, fria e direta que ela parece estar até matando o coitado do personagem. Temos também a dificuldade de perceber o famoso lado tsundere de Taiga, que quase se perdeu no livro pela falta de dublagem. Ela quase sempre aparenta ser um completo demônio, agindo de um jeito perverso e cruel. Eu, que antes adorava a Taiga e que a tinha na memória como fofa e bonita, quanto mais caminhava a narrativa e ela aparecia, mais irritado ficava com ela.

Outra coisa, os personagens acabam não sendo tão distintos em seus trejeitos de fala, o que acaba tornando certos diálogos confusos, sem a gente saber quem é que está falando o quê. Às vezes, detalhar demais um problema ou uma situação só deixa ela mais confusa do que a esclarece. Fora que alguns detalhes parecem mais querer encher a página do que de fato enriquecer a cena.

O encontro com a fera do passado

Tudo que senti, no final, foi traição em relação à minha própria nostalgia. Tenho até medo de tentar reassistir Toradora e desgostar profundamente dele, uma vez que é uma obra muito querida, mas querida na infância. De qualquer forma, volto a dizer: apesar de a leitura parecer bastante chata em dados momentos e ter traído minhas lembranças, é muito legal ver o relacionamento dos personagens se desenvolvendo. Foi uma boa experiência a leitura? É, de alguma maneira. Mas, por conta dos pontos que citei, recomendo muito mais que você veja o anime, caso tenha interesse, ao invés de ler a light novel. Dez volumes é bastante coisa e acredito que o anime de Toradora trará uma ótima experiência, até porque adaptou muito bem o livro que o inspira.

Resenha – “A vegetariana”, de Han Kang

Para colher dos outros frutos

Desde 2018, quando decidi morar com minha companheira e noiva, estou em contato (imerso, eu diria) com o discurso vegetariano/vegano e também com os hábitos que o compõem. Talvez tenha sido daí que surgiu o interesse em ler o livro da sul-coreana Han Kang: A vegetariana, publicado pela editora Todavia, em 2020, que, desde o título, parece tocar na questão dos direitos dos animais.

Mas, ao contrário do que sugere esse título, não se trata de uma narrativa que tem como centro do debate a animalidade e o vegetarianismo, e ao invés de colher pêssegos no pessegueiro de Han Kang, colhi algumas maçãs. Esse é um ponto que me causou, ao mesmo tempo, certa decepção e certa alegria durante a leitura, e espero que, nessa resenha, eu consiga esclarecer o porquê.

Trama

A vegetariana conta a história, mas principalmente o enigma, das consecutivas decisões da personagem Yeonghye: uma artista gráfica que – aos olhos do marido Cheong e de seus familiares – é completamente normal, mediana e, de certa maneira, cumpridora de suas obrigações.

Tudo começa com a narração de Cheong, revelando que a esposa, depois de ter um sonho, decide se tornar vegetariana/vegana, repudiando qualquer coisa que esteja relacionada à exploração animal, da carne aos sapatos de couro. A decisão dela se transforma em um empecilho para a dinâmica familiar que tanto agradava o marido, e seus desdobramentos são um crescente que move a narrativa e se desdobra em novos capítulos.

No livro, teremos três deslocamentos de narrador, passando primeiro pelo marido, depois pelo cunhado de Yeonghye e finalmente por sua irmã mais velha. Cada um dos três precisa lidar com o mistério da personagem central, que, assim como o Bartleby, de Herman Melville, entra em um processo contínuo de recusas absurdas: não comer, não se lavar, não se vestir, não falar (e não viver, talvez?).

Pêssegos e maçãs

Han Kang não fez um romance amador ou de primeira viagem: A vegetariana é, na verdade, afiadíssimo, tanto na construção de paralelos cênicos internos, bem como na brincadeira com as vozes narrativas, que, ainda que próximas, nunca alcançam ou entendem as intenções da personagem central da trama. Além disso, a áspera crítica a uma política ditatorial contra o corpo e contra o indivíduo, procurando encontrar uma outra relação consigo e com o outro, não perde de vista a força literária e evita, na maior parte do tempo, o didatismo e a auto explicação tão comuns em romances contemporâneos.

Agora, um ponto que também acho importante comentar é a maneira como se articulam no texto, intencionalmente ou não, o carnismo e o machismo (bem como outras formas de violência). Ainda que não apareça como ponto central, a barbaridade humana contra os animais aparece no livro como um sinédoque da relação que um “homem normal” – como se auto intitulam Cheong e o pai de Yeonghye – estabelece com uma mulher, uma vegetariana. Mas também poderia ser com um estrangeiro, com um negro, um gay etc. O que quero dizer é Han Kang acaba demonstrando que sempre haverá, segundo nossa cultura excessivamente capitalista, um descompasso que resulta em violência contra o que é diferente, ainda que ela seja insistentemente mascarada.

Frutas podres

A primeira impressão que tive do livro foi extremamente negativa e me sinto até um pouco estranho já que, agora, mal consigo pensar em algo de que não gostei na trama e no estilo da autora. Acho que, fora minha decepção momentânea com o fato de o vegetarianismo não estar no centro do debate, apenas o terceiro capítulo (“Árvores em chamas”) me causou uma má impressão, já que, nele, frequentemente, as metáforas são explicadas e desmontadas pelo narrador e pelos olhos da irmã de Yeonghye.

Fora esse fruto estranho e um tanto azedo para meu paladar, não colhi nada que não fossem boas maçãs do pessegueiro plantado por Han Kang. Talvez fosse o caso de subir outra vez à escada e retomar a obra, à procura de outros frutos, mesmo daqueles que contêm as larvas, quase invisíveis, por baixo da casca.

semear

É sempre muito bom poder ler um livro que sai do nosso ciclo tradicional, da cultura ocidental/acidental, para enveredar rumo a essas literaturas diferentes e, diga-se de passagem, de muita qualidade. A vegetariana é, com toda certeza, uma das melhores obras que li neste ano de 2021, e me deixou motivado a procurar outros textos de Han Kang e de seus conterrâneos.

Aos que querem ler uma obra pequena, mas poderosa e impressionante, e aos que têm curiosidade pelo fato de se tratar de um texto para lá de estrangeiro: cedeis à vossa curiosidade. A leitura, se não indispensável em tempos como os nossos, é extremamente frutífera. Acredito que não haverá arrependimentos.

Resenha – “O exército de um homem só”, de Moacyr Scliar

Um delírio, uma realidade

Confesso que meu interesse pela obra O exército de um homem só (1974), de Moacyr Scliar, surgiu por conta da canção homônima, presente no álbum O papa é pop (1990), da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii. Sendo um dos meus discos favoritos dessa banda, fui logo convidado à leitura com altas expectativas quanto ao conteúdo do livro, como se o compositor e vocalista, Humberto Gessinger, estivesse dialogando diretamente com a obra do escritor judeu, radicado em Porto Alegre, em suas composições.

Ao fim da leitura, consegui estabelecer de fato algumas relações entre canções e texto, mas são pontos que não vão muito longe e que talvez merecessem um texto mais longo e demorado. De qualquer modo, aos que não conhecem, deixo abaixo a música do(s) Engenheiros do Hawaii.

https://durasletras.com/wp-content/uploads/2022/07/01.-o-exercito-de-um-homem-so.mp3
Primeira faixa do álbum O papa é pop (1990) – Engenheiros do Hawaii

Resumo

Na história, acompanhamos alguns dos anos de vida de Mayer Guinzburg, um judeu de origem russa, excêntrico, que, vivendo no bairro do Bom Fim, em Porto Alegre, pretende criar “uma nova sociedade”, a Nova Birobidjan: uma comuna judaico-comunista em terras brasileiras e que é inspirada na Birobidjan russa, terra de judeus do antigo país soviético.

Tendo por parâmetro o socialismo de Stalin, mas tomando atitudes grotescas e muitas vezes antipopulares, nós assistimos Mayer fracassar diversas vezes, passeando entre ascensões econômicas e falências abruptas, alucinações e confrontos verdadeiros com as autoridades locais, a família, as amantes e os amigos.

O livro começa e termina no ano de 1970, com a suposta internação e morte do “Capitão Birobidjan”, apelido pelo qual Mayer é conhecido.

Bônus

Trata-se de um livro curto e muito dinâmico, ou seja, a leitura avança com velocidade e os problemas vencidos pelo personagem central vão rapidamente dando lugar a novos problemas e renovando nosso interesse pela narrativa. Além disso, é incrível estar em contato com aspectos da cultura judaica, tão presente no país, mas desconhecida por muitos. Por fim, acho interessantíssima a forma narrativa escolhida por Scliar, construída a partir de fragmentos intertextuais e múltiplos narradores, compondo, de fato, um exército de um homem só.

Ônus

Mas não são só flores esse exército! O aspecto fragmentário e as inúmeras maluquices do Capitão Birobidjan deixam algumas partes da obra muito confusas, exigindo que o leitor retome o fio da meada páginas atrás, sem saber quem está falando ou sobre o quê, ou que aceite a confusão toda da personagem e da forma narrativa. Existem também alguns trechos tediosamente longos dentro das alucinações de Guinzburg, que muitas vezes me pareceu um personagem antipático e insensível.

Comentário Final

Foi a primeira obra de Moacyr Scliar lida por mim e, em linhas gerais, eu gostei bastante. Como não tinha grandes expectativas quanto ao que encontraria em termos especificamente literários, já que minha leitura estava guiada pela canção do Engenheiros do Hawaii, topar com um estilo tão “pós-moderno” e com uma literatura de cultura judaico-brasileira foi gratificante. Aos que não sentem muita dificuldade com textos fragmentários, e que ao mesmo tempo se interessam por questões históricas ligadas ao socialismo e pela história de uma parcela do povo judeu no Brasil, recomendo fortemente a leitura de O exército de um homem só.

Resenha – “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry

Uma jornada encantadora

Terminei esse livro de fato encantador. A edição, feita pela Geração Editorial, é muito linda: páginas e letras coloridas, decoradas e com inúmeras ilustrações, muitas vezes desenhos do próprio personagem, deixando a leitura mais divertida ainda. A trama também é bem interessante e curiosa, mas sinto que não consegui aproveitar todo o seu potencial.

Resumo da obra

Uma criança, inspirada por um livro ilustrado que leu, desenha uma jiboia digerindo um elefante. Orgulhosa com seu primeiro desenho, ela resolve mostrar para os adultos sua obra prima. Porém, os adultos conseguem enxergar apenas um chapéu (o desenho de fato se parece também com um chapéu) e isso decepciona o jovem garoto. Por isso, ele resolve fazer um segundo desenho mostrando o elefante dentro da jiboia, revelando a parte de dentro do desenho anterior. Os adultos descartam sua nova obra e aconselham a criança a fazer algo mais útil, como estudar geografia ou história.

Deixando seu lado artista de lado, esse menino cresce e se torna um piloto de avião. Curioso, ele mostrava seu primeiro desenho às pessoas que conhecia para saber o que elas achavam dele, mas sempre respondiam que era apenas um chapéu. Um dia, em certo voo, um acidente acontece e o avião cai no meio de um deserto na África. Felizmente (ou não), só havia ele no avião.

No meio do nada com um avião danificado e mantimentos limitados, o jovem piloto ouve a doce voz de um garotinho, solicitando um desenho de um carneirinho. O garotinho era pequeno e muito encantador. Estranhando, e curioso com todo o acontecimento, o rapaz resolve mostrar para o garotinho seu primeiro desenho, que sempre carregara consigo. O garotinho reclama que ele não quer uma jiboia digerindo um elefante, mas sim um carneirinho. O rapaz então fica surpreso com a resposta, pois foi a primeira pessoa a acertar o assunto de seu desenho.

Daí em diante, o rapaz e o garotinho, um pequeno príncipe de um planeta distante, conversam e refletem sobre a vida.

Pontos Positivos

A leitura foi suave e sem dificuldades, além de ser um colírio para os olhos de tantos detalhes e enfeites bonitos na edição. A viagem do pequeno príncipe e suas inúmeras conversas levantam pontos sobre a vida, tocando em assuntos que nos levam a refletir e ponderar (de forma positiva) sobre o mundo que nos circula. É interessante como tudo é falado de forma sutil e divertida, muita vezes como parábolas e enigmas.

Pontos Negativos

Os pontos negativos costumam ser uma dificuldade minha, mas acredito que, no caso desse livro, os muitos detalhes abstratos tenham me incomodado. Enquanto alguns traços são mais fáceis de assimilar, outros dependem muito da perspectiva e entendimento do leitor, o que fez com que eu sentisse que muita coisa passou batido, e essa falta de entendimento/sentido do enredo me deixa realmente incomodado.

Comentário Final

Apesar da leve dificuldade, essa leitura ainda se provou prazerosa e frutífera. Como não faço nenhuma crítica técnica e avalio apenas com base no que conheço e, principalmente, no que sinto durante e após a leitura, digo que gostei muito desse livro, mas não tanto quanto gostaria. Recomendo a leitura, reafirmando que, além de pequeno, é belo “O pequeno príncipe”.

Resenha – “A mulher ruiva”, de Orhan Pamuk

Um Édipo em Istambul

Em janeiro deste ano, voltei a assinar a TAG livros, depois de mais de três anos desde que havia encerrado minha assinatura, especialmente por não conseguir conciliar o ritmo das leituras que o clube propunha com as leituras da faculdade de Letras e com as que, me chamando mais atenção, vez por outra eu decidia passar na frente. Mas desde o fim de 2020, apesar de o meu tempo livre não ser muito maior do que era antes, consegui retomar uma frequência mais alta de leituras, de em média um livro por semana, e decidi renovar a assinatura no plano Curadoria. Para minha grata surpresa, o primeiro livro que recebi foi, sem rodeios, um dos melhores e mais impressionantes dentre muitos dos que li nos últimos anos – e olha que não foi pouca coisa. Por isso mesmo, decidi trazer para vocês uma breve apresentação desse livro extraordinário que é A mulher ruiva (2016), de Orhan Pamuk.

Indicado por Milton Hatoum, o livro de Pamuk acompanha a história de Cem Çelik, um jovem turco que vive com os pais em Istambul, em meados dos anos 1980. Quando o rapaz está com dezesseis anos, seu pai, envolvido na militância política, deixa a família sem nenhum aviso, e Cem começa a trabalhar para ajudar nas despesas da casa.

Assim, quando surge a oportunidade, Cem se torna aprendiz de cavador de poços junto a mestre Mahmut, na pequena cidade de Öngören, nos arredores de Istambul. Durante os meses em que estão juntos cavando o poço, a relação entre Cem e Mahmut vai se tornando cada vez mais próxima de uma relação entre pai e filho, e Mahmut passa a ocupar uma posição paterna de afeto, orientação e proteção para Cem. Contudo, à medida que o tempo passa e a água parece cada vez mais distante, o relacionamento entre os dois começa a azedar, e, junto com a admiração, vêm o medo e o rancor de Cem por essa figura paterna.
Nesse meio tempo, o rapaz conhece a mulher ruiva, uma atriz de teatro com o dobro da sua idade, por quem ele fatalmente se apaixona. Mas mestre Mahmut o proíbe de visitar o Teatro de Moralidades onde ela atua, de modo que Cem passa a procurar qualquer desculpa para conseguir vê-la, mesmo que a distância.

Édipo fura os olhos, após descobrir que matou o pai e se casou com a própria mãe

Cem passa a sentir cada vez mais medo e raiva de Mahmut, e a rivalidade entre eles, que à primeira vista parece pouco justificável, passa a se concentrar cada vez mais intensamente em fantasias edípicas. Na verdade, o mito de Édipo é de importância fundamental para a história: não apenas ele é referido e narrado mais de uma vez ao longo do livro, como também os laços entre os personagens de A mulher ruiva tornam-se paralelos – mas de maneira nada óbvia – aos dos personagens da peça de Sófocles, na complexa triangulação entre pai, mãe e filho.
Devido a um incidente durante o trabalho no poço, após o qual ele volta para Istambul e para a casa da mãe, Cem fica obcecado com a história de Édipo Rei, que parece estar muito ligada à sua própria história.

Algum tempo depois, Cem vai para a faculdade e conhece Ayse, com quem se casa, e se tornam donos de uma empreiteira. No entanto, o casal tem dificuldades para conceber, e, mesmo procurando ajuda de diversos médicos, o tempo passa e Ayse não engravida, de modo que passam a tratar a empresa que fundaram juntos como o filho que nunca tiveram.

Rostam reconhece Sohrab

Numa viagem de negócios, Cem vê uma pintura que o impressiona muito: a cena em que o guerreiro Rostam reconhece ser seu filho, Sohrab, quem acabou de matar numa batalha. Cem, então, fica novametne obcecado e passa a procurar pelas histórias do Shahnameh, a Épica dos Reis, do escritor persa Ferdusi, do qual faz parte o ciclo de Rostam e Sohrab.
Ele e Ayse decidem batizar sua empresa com o nome do filho morto pelo pai, e no seu tempo livre estão sempre discutindo as histórias de Édipo e de Sohrab, classificando as pessoas entre as de um tipo ou de outro: os filhos de pais autoritários seriam como Sohrab, enquanto os filhos que se rebelam contra seus pais, como Édipo. E de que tipo seria o próprio Cem?

Para não contar demais, vou parar por aqui. O fato é que, lendo A mulher ruiva, os fatos se sobrepõem e se multiplicam em camada após camada, surpreendendo sempre com as reviravoltas da história e seus paralelos com Édipo, Rostam e Sohrab. É bom lembrar que, para ler o livro de Pamuk, não é preciso ter lido as outras histórias, pois elas nos são apresentadas à medida que aparecem na narrativa (apesar de que, é claro, quem conhece já vai estar mais familiarizado com os acontecimentos em questão). Além destas referências principais, Pamuk também evoca, em dados momentos, Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski, e Hamlet, magnum shakespeariano, que também se concentram nos embates edipianos entre pais e filhos.


Sem dúvidas quanto a isso, A mulher ruiva é um cinco estrelas que vale cada segundo da leitura. Como escrevi antes, foi um dos melhores livros que li nos últimos anos, então indico sem medo de ser feliz. (Mas quem sou eu para recomendar, se o próprio Milton Hatoum já falou que é bom, né? Obrigada, Hatoum!)

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Clique aqui se quiser ler o spoiler! (Por sua conta e risco, hein?) 🙂 Cem tem um caso de uma noite com a mulher ruiva, mas após o acidente no poço, em que acredita ter matado mestre Mahmut sem querer (o que na realidade não foi o que aconteceu), ele foge de Öngören e passa vários anos sem tornar a vê-la. Um dia, ele recebe uma carta de um filho seu, que é o filho que, sem saber, concebeu com a mulher ruiva, aos dezesseis anos. Sem saber como agir, ele volta até a cidade, e lá ele e o filho, num breve momento de reconhecimento e acusações, lutam. Cem estava armado, mas o filho toma a arma deste e – acidentalmente? – acaba o matando. Além disso, descobrimos que a mulher ruiva, antes de ser amante de Cem, fora amante do pai dele, algo em torno dez anos antes de conhecê-lo. Assim, ela ocupa uma posição materna em relação a ele, além de ser muito próxima de seu próprio filho com Cem. O protagonista, portanto, é tanto Édipo (pensando ter matado o “pai”, Mahmut, e dormido com a “mãe”, a mulher ruiva), como Laio, morto por seu próprio filho. Ufa! Haja sangue, não é?!

Resenha – “As bucólicas”, de Virgílio

As bucólicas: Narrativa da poesia, da terra e do amor

VIRGÍLIO. Bucólicas: edição bilíngue. Trad. Raimundo Carvalho. Belo Horizonte: Crisálida, 2005.

Para a presente resenha, foi escolhido o livro “Bucólicas: edição bilíngue” de Virgílio, elaborado pela editora Crisálida com a tradução de Raimundo Carvalho. Expõem-se abaixo, sinteticamente, os resumos das éclogas I a X presentes no livro, bem como trechos ilustrativos das passagens em questão.

Écloga I: Melibeu e Títiro conversam; este toca a flauta, sentado na relva sob a sombra de uma faia… Conversam sobre os amores e sobre os campos, que sofreram reviravoltas por força das guerras. Os cantos finais revelam que Títiro pôde conservar os seus, enquanto os de Melibeu lhes são destituídos, como evidencia o trecho abaixo:

Algum dia, depois de longo tempo, a pátria
e meu pobre casebre entre a relva revendo,
com espanto verei no meu reino uma espiga?
Um ímpio militar possuirá estas glebas?
Um bárbaro a seara? Onde a guerra lançou
míseros cidadãos! Para outros semeamos!

(I, 67-72)

Écloga II: Córidon, um pastor, reflete sobre seu amor não correspondido pelo seu servo, Aléxis. Argue com relação às suas posses e a sua beleza física, aludindo além disso às suas aptidões musicais, comparando-se ao fundador mítico de Tebas:

Canto o que, ao guiar seu gado, cantava
Anfion, o dirceu, em ático Aracinto.

(II, 23-24)

Aléxis, contudo, não corresponde aos seus clamores, e o repele definitivamente, dizendo:

Aléxis não quer teus dons, ó Córidon rústico,
nem Iolas cederá, mesmo se deres muitos.

(II, 56-57)

Écloga III: Menalcas e Dametas, dois pastores, trocam insultos e decidem medir-se com seus cantos, numa competição pela superioridade em suas artes, mediados pelo amigo Palêmon. Invocam, na justa, os nomes de muitos de seus deuses, Júpiter, Febo e Vênus como exemplo, falando também do amor e do gado. Não é eleito, contudo, nenhum vencedor.

Écloga IV: Uma das mais exemplares no que diz respeito à fortuna crítica, a quarta écloga apresenta a vinda de um menino, previsão messiânica que porá fim à idade de ferro para acolher a idade de ouro, o que levou muitos a compreender o poema como profecia da história cristã:

Nasce agora uma grande ordem de novos séculos.
Já a Virgem retorna, e o reino de Saturno;
já nova geração vem vindo do alto céu.
E do menino, sob o qual, raça de ferro
sumindo, surgirá uma de ouro no mundo,
casta Lucina, cuida: o teu Apolo reina.

(IV, 5-10)

Écloga V: Menalcas e Mopso unem-se para com suas flautas honrar Dáfnis (amigo destes e exímio poeta, que deixou a todos desconsolados com sua morte), ofertando a ele, além de cantos, votos e louvores em seu nome, oferendas anuais de azeite, leite fresco e vinho. Ao final, os poetas trocam suas flautas, e Menalcas propõe-se a ensinar a Mopso os cantos das éclogas II e III:

Mopso:

Morto Dáfnis, cruel fim as Ninfas choravam
(vós, rios e avelãs, vistes a dor das Ninfas),
quando, ao corpo do filho infeliz abraçada,
a mãe chama cruéis deuses e também astros.

(V, 20-24)

Menalcas:

Nem o lobo tocaia o gado ou redes cervos
almejam: ama a paz o benéfico Dáfnis.
Aos céus sobem a voz, com alegria, os montes
intocados, até as grutas e os arbustos
entoam: “Ele é deus, o nosso deus, Menalcas!”

(V, 60-64)

Écloga VI: Mnasilo e Crômis avistam Sileno, um cantor, dormindo em uma gruta, embriagado, e o atam, seguidos logo por Egle, descrita como “Naiadum pulcherrima”, isto é, Náiade muito bela. Para convencê-los a soltá-lo, se propõe a cantar-lhes versos, e começa por cantar a origem do mundo:

Nem tanto alegra Febo as pedras do Parnaso,
nem a Orfeu admira, o Ísmaro ou o Ródope.
Ele cantava, pois, como, no grande vácuo,
sementes de água e ar, de terra e fogo fluido
se fundiram; daí, originando tudo,
como também a tenra abóbada do mundo;
o solo endureceu, fechou Nereu no mar
e aos poucos foi tomando o formato das coisas;
a terra admira um sol novo sempre a brilhar,
e as chuvas a cair de nuvens muito altas,
enquanto selvas vão surgindo e animais
vagam dispersos sobre esses montes ignotos.

(VI, 29-40)

Narra  também os grandes feitos da mitologia antiga, aproximando-se de uma estética do épico, como a paixão de Pasífae, o roubo de Prometeu, as maçãs das Hespérides, o mito de Cila e outros mais, enquanto faunos e feras dançam balançando as copas dos carvalhos.

Écloga VII: Tírsis e Córidon medem seus versos, retomando a estrutura da terceira écloga. São mediados pelo pastor Melibeu, e o segundo é conclamado vencedor, ainda que a razão para isso não seja colocada em evidência.

Écloga VIII: Dámon e Alfesibeu cantam seus amores – este, por Dáfnis, para fazê-lo retornar da cidade magicamente, através de um ritual; aquele, por uma mulher, Nisa, que foi dada a Mopso. Alfesibeu, feliz, tem ao final o retorno de Dáfnis; Dámon, por outro lado, finaliza o canto com uma sugestão de suicídio.

Dámon:

Nasce, prenunciando um belo dia, ó Lúcifer!
Logrado pelo vil amor da noiva Nisa,
queixo-me aos deuses (vãs testemunhas embora),
nesta hora suprema em que estou morrendo.

(VIII, 17-20)

Dámon:

Modula, minha flauta, estes versos do Ménalo.
Muda-se tudo em mar alto. Selvas, adeus:
O abismo saltarei do topo de um rochedo;
às ondas; toma o dom extremo de quem morre.

(VIII, 58-61)

Alfesibeu:

Traze água e cinge o altar com fita maleável
queima grassa verbena e um incenso forte,
pois, com um ritual, perverter o juízo
do amado tentarei. Só me faltam encantos.
Encantos meus, trazei da cidade o meu Dáfnis.

(VIII, 65-69)

Alfesibeu:

É verdade? Ou quem ama inventa os próprios sonhos?
Chega de encantos já, vem da cidade Dáfnis.

(VIII, 109-110)

Écloga IX: Lícidas e Méris conversam. O primeiro elogia os versos do segundo, sendo representado como um poeta muito humilde. Novamente se assoma a questão da terra, retomando a temática da primeira bucólica.

Méris:

Vivemos para ouvir, Lícidas, um intruso
(nunca pensei), senhor de nossos parcos campos,
afirmar: “Isto é meu; migrai, velhos colonos”.
Tristes, vencidos, já a sorte tudo inverte,
lhe mandamos (que o mal lhe tragam!) uns cabritos.

(IX, 2-6)

Écloga X: Galo, um poeta, canta seu amor a Licóris, que fugiu com outro pelo Reno. Sua formulação o apresenta como altamente sentimental e “patético” – no sentido originário de afetado pelo pathos. A bucólica não apresenta solução para a questão, mas sugere um final trágico.

“De onde vem tal amor?”, perguntam. Veio Apolo:
“Que insânia, Galo?”, diz; “tua cara Licóris,
foi com outro a quartel erguido em meio à neve”.

(X, 21-23)

Tu (pudera eu não crer), tão distante da pátria,
vês, dos Alpes, a neve e a neblina do Reno,
tão sozinha e sem mim. Que isso não te maltrate!
Ah, não fira teus pés tenros o gelo áspero!

(X, 46-49)

Com a análise das dez éclogas, saltam aos olhos algumas temáticas e recursos recorrentes na poética virgiliana: o pathos nas invocações amorosas (éclogas II, IV, VIII e X), a questão da terra, associada frequentemente a possível incidente biográfico (éclogas I e IX), a competição entre poetas para medir seus versos (éclogas III e VII), e a própria reverência às aptidões poético-musicais (éclogas V e VI).

Possivelmente, entre todas, a bucólica que mais se afasta da composição estética da antologia é a sexta, por narrar grandes feitos épicos, a criação do mundo e os grandes heróis da mitologia clássica, ao contrário das demais, que se atém às questões do campo, do amor, da habilidade, da rejeição, do sofrimento, etc., isto é, aos assuntos mais imediatos e tangíveis da experiência humana.

O conjunto também apresenta como traço comum a auto-referenciação, retomando personagens ou trechos de uma écloga em outras, como Córidon ou Melibeu, que aparecem mais de uma vez “em cena”; Dáfnis, que está morto na quinta écloga, motivo pelo qual os poetas choram, mas que conversa com Melibeu na sétima; ou a proposta de Menalcas de ensinar a Mopso as éclogas II e III; entre outros exemplos de trechos que conformariam, em união, um universo mítico.

Além disso, pode-se notar uma grande presença de elementos dramáticos, como a fala em tempo presente, a própria rubrica entre parênteses e a indicação cênica (sentado sob a faia… etc.) É intuitivo perceber a influência dos gêneros dramáticos na composição lírica de Virgílio.

Logicamente, também são muito frequentes os elementos da “cor local” árcade-bucólica, isto é, os rebanhos, as ovelhas, a flauta, a relva, as criaturas místicas dos bosques como faunos e náiades, etc. que orientam o ouvinte em relação ao locus amoenus, posteriormente assimilado pelos poetas árcades, como no grande exemplo de Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, assim como em universos musicais modernos, em especial na tradição do campo, como alguns nichos da música sertaneja.

Nesse sentido, apenas por criar uma tradição, a obra de Virgílio já poderia ser considerada grandiosa, mas não apenas possui esse mérito como também tem sempre relembrado em sua crítica o seu perfeccionismo em relação à métrica. As Bucólicas configuram, portanto, material rico para análise de elementos semânticos e formais, além de fornecerem fragmentos de uma cultura de que nos restam poucos registros, orientando o leitor em relação à compreensão da sociedade clássica, sua ética e seus costumes.

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