Como escrever um ensaio acadêmico?

O mais certo seria escrever este texto de maneira ensaística. Porém, como vocês logo vão perceber, a forma ensaio pode ser enigmática e obscurecer um pouco as coisas, não podendo ser entendida e planejada como uma receita de bolo ou coisa parecida, já que o ensaio se desenrola e se desenvolve à medida que se escreve, e não inteiramente de antemão.

Como o intuito desta publicação é a objetividade, optamos por uma forma, digamos, menos aberta, mas não de todo fechada, para orientar escritores que querem ou precisam (por quaisquer motivos) escrever um ensaio acadêmico ou científico.

Antes de começar, no entanto, gostaríamos de dizer que o texto abaixo é uma adaptação de alguns trechos e comentários feitos por pesquisadores da Unicamp que comentam sobre o gênero. A ideia foi disponibilizar o conteúdo desse texto de um jeito mais descontraído. Esperamos que vocês façam bom proveito!

O que é um ensaio?

Antes de qualquer coisa, é muito importante destacar os adjetivos que você coloca depois da palavra “ensaio”: literário, científico, acadêmico, jornalístico, biográfico etc., porque, se você deseja escrever um ensaio, é preciso saber de que tipo de ensaio estamos falando, já que esse gênero textual é mutante e está presente tanto no vasto grupo das literaturas, quanto entre os vários gêneros acadêmicos.

Entende-se por ensaio um texto que, à maneira dos artigos, tem por pretensão apresentar ideias e pontos de vista a respeito de determinado assunto. Mas não se engane: o ensaio não é um simples texto dissertativo e/ou argumentativo, porque nele o escritor tem maior liberdade formal e não precisa explorar o tema principal de um jeito tão aprofundado e sistemático.

Nesse caso, é possível dizer que ao contrário de ter que defender e argumentar contra ou a favor de uma tese, no ensaio o escritor precisa desenvolver e sustentar uma hipótese. Nesse sentido, o ensaio pode ser entendido como uma tentativa, um lançar-se sobre um tema na busca de melhor compreendê-lo e situá-lo, sem ainda chegar ao ponto de construir uma visão sólida sobre ele.

O ensaio acadêmico

Esta é a modalidade mais utilizada nas universidades, principalmente nos cursos de Ciências Humanas. Em geral, os trabalhos finais de disciplina pedem justamente para que o aluno escreva um ensaio acadêmico sobre determinado assunto, levando em conta os textos que foram lidos e o conhecimento que foi adquirido ao longo das aulas, além da bagagem pessoal construída pelo estudante durante sua formação.

Normalmente, é avaliada tanto a pertinência das hipóteses apresentadas pelo autor como sua argumentação em favor dessas hipóteses, além da originalidade da escrita. Por esse último motivo, o ensaio também pode apresentar certa literariedade, já que é um espaço em que as marcas do estilo pessoal do autor não só são aceitas como também desejáveis. Dessa forma, em alguns casos, o ensaio tende a performar aquilo que apresenta por meio de sua linguagem.

A forma ensaística

Muita gente acredita que basta escrever na primeira pessoa do singular – “eu penso” ou “eu existo” – para que um texto adquira ares de ensaio.

Contudo, a primeira pessoa do singular pode ser uma grande armadilha, podendo levar o texto ensaístico a um discurso barato e opinativo, se não trouxer a necessária reflexividade e potência do pensamento que fazem do ensaio algo cativante e provocador para aquele que o lê.

Mais do que simplesmente usar o eu para marcar o discurso, a forma ensaística está na ousadia de quem ensaia, ou, dizendo de um outro modo, não reside na tentativa de convencer o leitor com argumentos frios, mas de convidá-lo a experimentar o texto como se experimenta uma dança – o que não quer dizer que a lógica e a coerência não sejam importantes aqui.

Estrutura

É durante o ensaio que se cria mais livremente, enquanto a coreografia ainda não está totalmente definida. Por isso, diferentemente dos artigos científicos, no ensaio os escritores têm muita liberdade formal; um ensaísta não precisa, por exemplo, respeitar estruturas do tipo introdução-desenvolvimento-conclusões, embora também não seja errado fazer um texto “fechadinho”. O ponto é que no ensaio pode-se desenvolver o argumento pelo caminho que melhor funcionar para o autor, sem seguir um modelo pré-formatado.

É claro que isso depende da revista, plataforma, e até daquilo que seus professores ou contratantes entendem por “ensaio”. No entanto, não há dúvidas de que esse gênero tem uma abertura formal difícil de encontrar em outros textos acadêmicos, diferente do artigo, do projeto ou do relatório, que são mais restritivos e rigorosos.

Agora, é preciso dizer também que “essa tal liberdade” formal pode embaralhar o começo da escrita, ficando o ensaísta sem saber muito bem por qual trilha seguir. É por isso que é comum encontrar algumas sugestões de estrutura, que podem ajudar na hora do bloqueio. Abaixo, deixamos alguns modelos para você se inspirar.

Ensaio descritivo
Apresenta, de forma expressiva, objetos, locais e eventos para que o leitor consiga vislumbrar e tenha uma sensação clara sobre aquilo que foi descrito.

Ensaio explicativo
Tem por objetivo descrever um termo ou fato específico através de outros termos, fatos e metáforas.

Ensaio narrativo
Descreve uma sucessão de eventos a partir de uma perspectiva subjetiva privilegiada e explicita o desenvolvimento pessoal do narrador em termos de experiências e reflexões.

Ensaio comparativo
Visa demonstrar relações e diferenças mais substanciais entre dois ou mais itens analisados.

Ensaio de persuasão
Pretende convencer o leitor sobre as ideias ou opiniões do autor. O autor precisa (a) demonstrar que seu ponto de vista é razoável, (b) manter a atenção do leitor ao longo do texto e (c) fornecer evidências fortes para sustentar o seu ponto de vista.

Ensaio reflexivo
Inicia-se com uma proposição e um argumento, a seguir apresenta um contra-argumento e, por fim, derruba o contra-argumento com um novo argumento.

Fonte: Redação Científica/Unicamp.

É claro que nenhuma dessas estruturas é definitiva, e é sempre importante considerar que possivelmente o tema discutido vai impactar na forma como você escreve e no percurso das letras diante da tela. Por isso, não se esqueça: esses modelos são apenas uma ignição para que você desenvolva sua própria estrutura textual, de acordo com o caminhar da redação. Na dúvida, tente estruturar o texto com apenas um tópico ou argumento por parágrafo, buscando passar de um tema ao próximo com sutileza para que o leitor não fique perdido. Afinal, você (provavelmente) quer que seu leitor te acompanhe nesse percurso. Certo?

Dicas de ouro

1. Distancie-se do texto. Dê a você mesmo, se for possível, um tempo para assimilar e refletir sobre o que está escrevendo. Ao se afastar do texto, pode ser que você faça novas conexões, perceba erros de que não tinha se dado conta ou queira acrescentar ou remover algo que faltou ou sobrou. Para isso, um intervalo entre a escrita e a releitura é fundamental e vai ajudar a melhorar seu ensaio.

2. Suavize suas afirmações. Pode parecer estranho (ainda mais se você cresceu praticando o “modelo Enem” de redação, em que não há muito espaço para antíteses e reflexões mais aprofundadas), mas ser categórico demais tira parte da força do seu texto. É preciso pensar que o que você está expondo não são fatos – contra os quais não há opiniões –, mas interpretações, conexões, tentativas de explicações, etc. Portanto, ao invés de escrever que “o que Sócrates quis dizer com o mito da caverna é que…”, é melhor modular a frase e propor algo como “o mito da caverna pode ser interpretado como…” ou “o mito nos leva a pensar que…”, etc. Além disso… É básico, mas não custa lembrar: evite escrever de maneira preconceituosa e/ou ofensiva. O cuidado com a escrita também é o cuidado com o outro que irá ler o seu texto.

3. Capriche na conclusão. Em especial, capriche na última frase, que você pode aproveitar para reforçar a ideia principal do texto de uma maneira marcante para o leitor. É com ela que seu leitor vai ficar depois de terminar a leitura, então vale a pena investir em algo que o deixará com a impressão desejada. Um final de impacto – e não de efeito – ainda tem seu lugar ao sol.

É possível ensinar poesia? Indagações sobre poesia, ensino e filosofia

Desaprender oito horas por dia ensina os princípios

Manoel de Barros, O livro das ignorãças.

Se uma das prerrogativas da poesia é promover a liberdade – conferindo “um novo sentido às palavras da tribo”, já escrevera Stéphane Mallarmé –, não seria contraditório submeter o jovem leitor às amarras de um ensino tradicional, e ainda assim esperar que ele aprenda a ser livre, isto é, que aprenda “poesia”? E, pensando por outro lado, a poesia não deve, ou melhor, não pode ser ensinada?

Afinal, como ensinar a ser livre? — seria uma outra maneira de perguntar: como ensinar poesia, gênero dos mais conhecidos da literatura, mas simultaneamente (e infelizmente) um dos menos apreciados pelos leitores brasileiros. Foi pensando nisso que trouxemos esta publicação de fim de ano, convidando a pesquisadora e autora Isadora Urbano para discutir e refletir sobre essas questões em um texto breve, mas provocador.

Para baixá-lo e conferir, clique no botão abaixo:

A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector: a barata, O Mistério e o neutro

Já faz algum tempo que nós começamos a disponibilizar dois gêneros importantes aqui no Duras Letras: as resenhas e os artigos acadêmicos, em uma tentativa de aproximar ainda mais os leitores e leitoras de nossos colaboradores. E, justamente pensando nessa relação e nos gêneros, preparamos agora um tipo diferente de publicação, que se faz entre uma coisa e outra, entre a resenha e o artigo científico. Considerem, portanto, que esta publicação tem um quê de experimental e não deixem de comentar e curtir, pois será esse o nosso termômetro.

Ah, Clarice Lispector, escritora densa, mas extremamente poderosa e de um lirismo sem igual… Quem nunca se afogou em um de seus muitos livros? Você não? Bom, então o texto que disponibilizamos aqui oferece essa chance! Pode ser sua porta de entrada para a obra da autora brasileira. Produzido por Lorena Camilo a convite do Duras Letras, a resenha acadêmica “A (teo)poética em A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector” propõe uma análise literária mais densa e demorada da escrita de Clarice e – sem se preocupar com os spoilers e emprestando uma boa dosagem do lirismo típico da obra clariciana – coloca sobre a lupa três elementos muito significativos do livro: a barata (ou o animal, em larga medida), O Mistério (o metafísico, o divino, o enigma) e o neutro (a suspensão das polaridades, o ponto entre uma coisa e outra).

Para baixar o texto e conferir, clique no botão abaixo:

Nós do Duras Letras agradecemos à querida Lorena, por dividir conosco e com vocês essa leitura tão instigante, e que funciona como uma entrada para a obra analisada. Esperamos que, como nós aqui do blog, vocês tenham aproveitado a leitura.

“Infância”, de Graciliano Ramos: memória e transculturação narrativa

Texto de apresentação por Gabriel Reis Martins
Clique na imagem

A memória, com seus funcionamentos e seus mistérios, é um tema que atravessa não só inúmeras obras da filosofia desde a antiguidade, como também se faz presente nos mais variados escritos da literatura. Quem não se lembra, por exemplo, dos três calhamaços que compõem Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, obra que, para além de sua beleza, funda inúmeros procedimentos narrativos, principalmente ligados à rememoração?

Pois bem, nesta publicação, gostaríamos de trazer um artigo que faz luz justamente na dimensão literária da memória – e, mais especificamente, da memória na literatura brasileira –, procurando entender de que maneira os autores frequentemente preenchem as lacunas, efeito natural do tempo, de suas lembranças. O artigo foi escrito pelo pesquisador de literatura brasileira Alexandre Fonseca, que analisa a obra Infância, de Graciliano Ramos, a partir de percepções extraídas do próprio livro e de considerações feitas por seus críticos.

Nós do Duras Letras agradecemos ao pesquisador pela redação do artigo e esperamos que suas palavras possam contribuir com a leitura de vocês, como contribuiu para a nossa!

Para baixar o texto, clique no botão abaixo:

Entre Drummond e Borges

Carlos Drummond de Andrade e Jorge Luis Borges cresceram e criaram suas literaturas em contextos muito similares: embora nunca tenham chegado a se conhecer, os dois foram escritores a presenciar as grandes mudanças da modernidade, a vida da cidade, o conturbado começo do século XX e suas grandes marcas na história. Apesar de o primeiro ter se alçado principalmente como poeta, enquanto o segundo se destaca pelos seus contos, semelhanças relevantes permeiam a literatura desses dois nomes de peso da América do Sul. O texto a seguir apresenta algumas das ligações entre os autores, a partir dos aspectos fundamentais de suas obras.

Tão complexa é a realidade (…) que um narrador onisciente poderia redigir um número indefinido, e quase infinito, de biografias de um homem.

(Jorge Luis BORGES)

A partir dessa citação, é possível observar que na obra borgeana há toda uma apropriação da realidade que assume o pressuposto da multiplicidade e do momentâneo: as muitas camadas do real se sobrepõem e através do seu recorte de imagens e de seu consecutivo desvio se delineia um “caos de aparências” que atravessa a literatura do autor.

Nesse sentido, o argentino delimita um olhar sobre a realidade em que o objetivo não é a mímeses, mas o simulacro metafórico que prescinde de referentes extratextuais. Por essa mesma razão, os personagens borgeanos não são psicologizados, e a ênfase se dá sobre a trama, motivo pelo qual a brevidade se mostra um recurso estilístico recorrente, dialogando com a tradição literária (e não apenas a argentina) em vistas de questioná-la e não enfeitar a flor, propondo mesmo uma reflexão sobre o que significa criar uma literatura argentina – o que ultrapassa em muito a inserção de elementos da cor-local.

Ainda assim, a escrita borgeana se apropria, borra, e miniaturiza toda a tradição argentina do século XIX: parte do caráter popular de seus contos tem a clara influência da literatura gauchesca (marcas de oralidade, culto à coragem, à violência, etc.), como se percebe em Hombre de la esquina rosada, de Historia universal de la infamia, a título de exemplo.

Há também uma forte marca anti-intelectualista, no sentido de que a busca da verdade nas bibliotecas e nos livros não leva a lugar algum. Ela assume, por isso, um caráter populista, escolhendo buscar a verdade na vida do homem comum, ao mesmo tempo que busca a totalização no seu cosmopolitismo, na erudição e no manejo da cultura.

Também parte dessa busca a ideia de circunscrever a realidade através do olhar alheio, o que faz com que seus contos carreguem ares de transcrição de relatos de terceiros. Por isso mesmo, Borges se apropria do outro e distorce a realidade desse outro sem referente externo, até sobrar a imagem comunicada a partir de fragmentos coordenados de forma coerente, ainda que plural. O jogo borgeano é, portanto, o jogo das máscaras e dos contrastes, em que os personagens, a um só tempo, estão e não estão desmascarados, onde o rosto e a máscara se encontram num ponto de divergências.

O poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade

Por sua vez, Drummond se apropria da realidade amparando-se na ideia de registrá-la como se dela estivesse apartado, embora não o esteja de fato, e embora o faça através da estética modernista. A essa busca por limitar-se a registrar (fatos, acontecimentos, sentimentos), contrapõe-se o desejo de criar laços com o outro, motivo pelo qual se apropria das memórias do passado de todos: assim como Borges, revela um claro anseio pela totalização, que se espelha nas muitas menções à palavra “mundo” na sua poesia, como destaca Miguel Wisnik.

Insere-se, assim, o gosto por um cotidiano expandido, alargado, que, como Borges, guarda o traço popular na sua poética. Nesse sentido, livros com o A Rosa do Povo confeccionam uma espécie de epopeia do cotidiano, em que a busca por uma verdade recai inevitavelmente na verdade do homem simples, do qual o poeta se aproxima como uma alteridade, como no poema O Medo, que dialoga com seus próprios temores e sua subjetividade solitária, a exemplo de Consolo na praia.

Nesse aspecto, o eu e o mundo se aproximam, se distanciam, se contradizem e se complementam na medida em que o eu-poético questiona as possibilidades dessa coletividade e de se fazer poesia na cidade e no mundo moderno. Tal inquietude, por certo, permeia toda a construção literária do poeta itabirano: o cosmopolitismo drummondiano, à divergência do escritor porteño, passa pelo sentimento de não pertencer a nenhum lugar ou grupo (“Itabira tornou-se apenas um retrato na parede”), marca de sua profunda solidão e seu senso de dépaysement, como se coloca na incompletude do poeta na roça e no elevador:

Explicação

Meu verso é minha consolação
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
Para beber, copo de cristal, canequinha de folha de flandres,
folha de taioba, pouco importa: tudo serve.

Para louvar a Deus como para aliviar o peito,
queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
é que faço meu verso E meu verso me agrada.

Meu verso me agrada sempre…
Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota,
Mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste.
A culpa é da sombra das bananeiras de meu país, esta sombra mole, [preguiçosa.

Há dias em que ando na rua de olhos baixos
para que ninguém desconfie, ninguém perceba
que passei a noite inteira chorando.
Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,
de repente ouço a voz de uma viola…
saio desanimado.
Ah, ser filho de fazendeiro!
À beira do São Francisco, do Paraíba ou de quaquer córrego vagabundo,
é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de

E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.
Aquela casa de nove andares comerciais
é muito interessante.
A casa colonial da fazenda também era…
no elevador penso na roça,
na roça penso no elevador.

Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
Para mim, de todas as burrices, a maior é suspirar pela Europa
A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro
e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.
O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
lê seu jornal, mete a língua no governo,
queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.

Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?

(DRUMMOND, Explicação. In: Alguma Poesia – 1915. Grifo nosso)

Nesses termos, o poeta mineiro demonstra apreender a realidade na perspectiva do objeto que escapa, como se quebrasse a própria possibilidade do fazer poético na bênção e na maldição de fazer parte do mundo moderno. Assim, indivíduo e mundo se flexionam constantemente, dando pistas da posição desse eu-poético frente a esse novo mundo: deslocado, inadequado, anacrônico, que carrega desde seu primeiro verso a profecia gauche (“Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.), mas que se força a esse espaço fronteiriço na postura de reconhecer-se enquanto falta ou sobra, como inclusão excludente, fazendo que essa poesia se insurja contra a “grande máquina” que coisifica pessoas e relações, mas também contra as palavras, colocando-se como uma arte anárquica que subverte o seu sentido. Desse modo, é como se essa procura pela poesia não se afastasse da procura do mundo, em que Drummond se coloca como condenado: ainda bem.

Este texto foi concebido como trabalho final para a disciplina Borges e Drummond, ministrada pelo prof. Roberto Said da Faculdade de Letras da UFMG.

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